sábado, 22 de novembro de 2008

Ensaio sobre a cegueira


O trânsito em uma metrópole. De repente, sem explicação, um homem qualquer fica cego. Engarrafamento e buzinas. O que parecia ser uma fatalidade isolada passa a atingir mais e mais pessoas e, em pouco tempo, o caos torna-se generalizado. Como diz um dos personagens do filme – todos sem os nomes revelados -, a cegueira em questão é uma espécie “mar de leite”, diferentemente da cegueira comum. Tudo parece não ter lógica. As autoridades, então, encaminham os infectados para a quarentena, um antigo e sujo manicômio até que a cura seja descoberta. Os cegos passam a conviver juntos, com todas as diferenças existentes nas grandes cidades: uma prostituta, um ladrão, uma criança, um casal de orientais, um oftalmologista e a sua mulher são apenas alguns dos miseráveis que têm, ao menos, a cegueira em comum. Com exceção da mulher do médico, a protagonista do filme e a única não cega dentre os cegos.

E é ela, interpretada por Juliane Moore, que guia a multidão e vê a natureza humana, praticamente invisível nas sociedades modernas, na sua forma mais crua e perversa. As pessoas reunidas, vivendo no limite entre o ser racional e irracional, com seus instintos mais primitivos sendo revelados à medida que a fome, a falta de higiene e de espaço aumentam. Como o personagem de Gael Garcia Bernal, um barman que logo se revela um ditador, toma o poder e pratica as atrocidades que apenas nós, humanos, conseguimos. Quando, por exemplo, ele e seu bando passam a administrar as refeições destinadas às alas do centro de isolamento – que mais parece um campo de concentração – e exigem pagamentos para a aquisição do básico para a sobrevivência, pagamentos que vão desde objetos de valor até os corpos das mulheres ali reunidas.

“Ensaio sobre a cegueira”, baseado no livro homônimo de José Saramago, consegue revelar a nossa natureza como poucos filmes já fizeram ou se propuseram a fazer. E é genial quando consegue essa transparência através da cegueira. Afinal, em um mundo de cegos ninguém pode ver o que estamos fazendo e quem somos. Ainda mais nas situações mais extremas - que muitos passam hoje, que não vemos ou queremos não ver. Mas há de se ressaltar também a capacidade que nós temos de ter alegria em situações adversas e como nos adaptamos a elas, como diz um dos personagens: “A alegria e a tristeza são como água e óleo: não se misturam, andam juntos”. É um filme excepcional, talvez o melhor do ano. Mais um grande filme dirigido por Fernando Meirelles, que enxerga o cinema como poucos diretores desta geração conseguem, motivo de orgulho para nós, brasileiros.

E para José Saramago também:



Alexandre Rios.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Mais um pouco sobre Barack Obama

DURANTE MESES, acompanhei a histeria da Europa por Obama. E, no meu espanto, tentei vislumbrar os motivos da paixão nas promessas do homem. Não encontrei nada. Internamente, Obama surgia, no limite, como um social-democrata moderado; e, externamente, como uma "pomba musculada", disposto a lidar duramente com o Afeganistão, o Irã e o Paquistão. Como explicar a loucura generalizada?

Numa palavra, com a raça. Obama é preto e as esquerdas da Europa, em atitude profundamente racista, entenderam que a pigmentação da pele fazia toda a diferença. As esquerdas que embarcaram histericamente por Obama fazem lembrar os antigos fazendeiros que achavam imensa graça quando viam um escravo devidamente vestido e calçado. O racismo invertido não deixa de ser uma forma de racismo.

Resta saber se a paixão por Obama vai durar. A resposta é óbvia, porque existe um óbvio paradoxo com a eleição do homem: depois de 1989, quando o Muro caiu na cabeça das esquerdas neolíticas, o antiamericanismo converteu-se no alimento principal dos órfãos de Moscovo. Os mesmos órfãos que, agora, levados por uma forma invertida de racismo, desataram a aplaudir o novo presidente americano. Para eles, Obama é uma espécie de dr. Louçã, embora mais alto, mais elegante e, como diria o sr. Berlusconi, ligeiramente mais bronzeado. Sem a América para insultar, o que será feito desta gente nos próximos anos?

Obviamente, a desilusão será uma questão de meses, não de anos. Quando Obama começar a lidar com o mundo real, o antiamericanismo regressa e, com ele, regressa tudo ao asilo psiquiátrico.

(João Pereira Coutinho)

Thales Azevedo.

Vicky Cristina Barcelona

Os ares europeus parecem mesmo ter conseguido dar novas energias ao trabalho de Woody Allen. Depois de um inexpressivo começo de década com comédias divertidas mas descartáveis, o diretor, eterno apaixonado por Nova York, retoma seu prestígio com Match Point, filmado em Londres, e mostra a seus detratores que ainda consegue aliar drama a humor com sofisticação, inteligência e as sutilezas de sempre. Vicky Cristina Barcelona, que acaba de ser lançado, é mais uma prova da sua boa forma, dessa vez com a sensualidade das terras espanholas, após invejáveis 40 anos de carreira e mais de 30 filmes realizados.

Thales Azevedo.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Torturadores, terrorismo e Lei da Anistia

O ministro Gilmar Mendes, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), voltou a condenar nesta segunda-feira o debate sobre uma possível revisão da Lei da Anistia levantado pelo governo federal. Mendes, que já defendeu o fim das discussões sobre o tema, afirmou repudiar as tentativas de ideologização e politização que envolvem este tipo de debate.

"Evidente que esse tema --direitos humanos-- se presta a idealizações ou politizações, eu tenho uma posição clara com relação a isso: repudio qualquer tentativa de manipulação ou tentativa de tratar unilateralmente os casos de direitos humanos. Direitos humanos valem para todos: presos, presidiários, presos políticos, da mesma forma", afirmou o ministro.

O ministro também aproveitou para responder às declarações da ministra Dilma Roussef (Casa Civil), que afirmou considerar "imprescritíveis" os crimes de tortura cometidos no país. "Essa discussão sobre imprescritibilidade é uma discussão com dupla face, porque o texto constitucional também diz que o crime de terrorismo é imprescritível", disse Mendes.

A declaração de Dilma --que foi presa e torturada durante o regime militar no Brasil (1964-1985)-- foi motivada pelo parecer emitido pela AGU (Advocacia Geral da União) que considera perdoados pela Lei da Anistia os crimes de tortura cometidos na ditadura.

O ministro Tarso Genro (Justiça), outro defensor da revisão da lei, sinalizou nesta segunda-feira que o parecer poderá ser revisto pela AGU.

(Folha Online)

Thales Azevedo.

Roger Moore e uma abertura





Abaixo, uma das mais sofisticadas aberturas de um dos melhores filmes da série, O Espião Que Me Amava. Interpretada por Carly Simon, a música se chama Nobody Does It Better.



Thales Azevedo.

domingo, 9 de novembro de 2008

Quantum of Solace

Cenários bonitos, pelo menos enquanto o filme se passa na Itália, e mais momentos turbulentos, em relação a seu antecessor Cassino Royale, podem divertir e atrair um novo público, mas Quantum of Solace é uma outra - e possivelmente mais forte - decepção para os fãs de James Bond. Daniel Craig retorna ainda mais semelhante a um trabalhador braçal, brutamontes e violento, mas sentimental e abalado pela perda da exageradamente citada Vésper Lynd. Alia-se a uma bondgirl desinteressante e motivada por um desejo de vingança clichê e similar ao seu para combater vilões bobos e mal desenvolvidos. Nem sinal da clássica apresentação "Bond, James Bond", de jetpacks, relógios especiais ou carros invisíveis. A abertura conta com a voz irritante de Alicia Keys. O famoso tema só aparece com a chegada dos créditos finais.

Percebe-se uma tendência de aproximação com a elogiada trilogia Bourne, estrelada por Matt Damon, numa tentativa de modernização que comprometeu elementos essenciais. Algumas cenas históricas da série são homenageadas, como quando uma das vítimas afetivas do irresistível agente aparece assassinada e coberta de petróleo numa cama.

A original é de 007 Contra Goldfinger, ainda com a elegância e o charme incomparáveis de Sean Connery e a dita cuja banhada a ouro. Em outra referência, dessa vez a O Espião Que Me Amava, com Roger Moore, um suposto capanga é derrubado de um prédio após ser segurado pela gravata. Mas nada compensa a frustração de quem gostava até dos tempos de Pierce Brosnan.

Bond também dispara umas boas frases sobre América Latina, cocaína, comunismo, corrupção e afins. O foco do enredo está na Bolívia. Não que o roteiro seja primoroso e ajude muito. Ele segue bem a linha reformista. Se Cassino Royale soava como um filme de ação qualquer, Quantum of Solace consolida essa imagem na era Craig. A euforia por verossimilhança e inovação, simplesmente, não mais permite que James Bond seja James Bond.

Thales Azevedo.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Obama


Alexandre Rios.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

04/11/2008

Thales Azevedo.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

A Sagrada Família

Já tudo foi dito e escrito sobre o último livro de Reinaldo Azevedo, "O País dos Petralhas" (Record, 337 págs.). Uma feroz e divertida denúncia da política brasileira e do "establishment" petista atualmente em cena? Sem dúvida.

Mas existe uma passagem do livro que não é para rir. É para ler, meditar, talvez chorar. Acontece a propósito de nada: Reinaldo Azevedo prepara-se para sair de férias e, em momento de trégua, partilha com os leitores do blog a memória feliz de um livro aparentemente menor, "A Morte de um Apicultor", do sueco Lars Gustafsson.

Quem leu Gustafsson? Curiosamente, eu li. E perguntei-me, durante anos, se seria a única criatura do mundo a lembrar com ternura desse livro imensamente melancólico e belo. É a história de um velho, condenado por doença mortal, que vai anotando, em vários cadernos, os pensamentos, as rotinas e até as dores físicas de uma vida a caminho do fim. "Recomeçamos. Não nos rendemos", escreve o velho, vezes sem conta. E, com essa frase, termina a sua odisséia, momentos antes de a ambulância vir buscá-lo.

Reinaldo Azevedo evoca "A Morte de um Apicultor" para dizer o que de mais profundo alguém pode dizer sobre a função de uma democracia civilizada: ela existe, precisamente, para que possamos tratar das nossas vidas banais. Para que possamos ser como o velho apicultor do livro: simplesmente interessados nas nossas rotinas, nas nossas famílias, nas nossas memórias privadas. E conclui o colunista: o que é imperdoável na política brasileira não é apenas a corrupção, a boçalidade e a ignorância dos próceres. O que é imperdoável é a existência de uma elite política moralmente miserável que impede esse espaço pessoal e intransmissível onde podemos ser "senhores das nossas lendas" e alheios ao ruído do mundo. No Brasil, tudo é ruído. E no resto do mundo?

No resto do mundo, talvez não. A tese pertence a Luc Ferry e ninguém diria que Luc Ferry e Reinaldo Azevedo dariam um bom par. Mas as aparências enganam. Em "Famílias, Amo Vocês", um breve ensaio publicado no Brasil pela Objetiva, Luc Ferry retoma a observação pessoal de Reinaldo e elabora uma questão filosófica fundamental: nos tempos que passam, seremos capazes de nos sacrificar por algo ou por alguém? Ao olharmos para o brilhante século 20 e para o longo cortejo de matanças em que a centúria foi pródiga, encontramos milhões de seres humanos que marcharam e mataram em nome de puras abstrações. A Nação. O Partido. O Progresso. A Raça. O Império. O baile terminou em chamas e, hoje, no meio das cinzas, alguns zelotes ideologicamente nostálgicos lamentam o "recolhimento individualista" das nossas sociedades "burguesas" e clamam pelo inevitável, e tantas vezes sanguinário, regresso da "imaginação ao poder".

A resposta de Luc Ferry é a oposta: devemos festejar o recuo das grandes causas; e devemos, sobretudo, celebrar as pequenas. Devemos celebrar os nossos familiares, os nossos amigos. A nossa tribo. O nosso "pequeno pelotão", como dizia Burke no século 18. São eles as causas por que vale a pena lutar. São eles que constituem o princípio e o fim das nossas "transcendências".

Nas palavras do filósofo francês, houve uma "divinização do humano" ou, se preferirem, uma "transcendência na imanência" que leva o Homem ocidental a apenas "sair de si mesmo" para participar no destino daqueles que lhe estão mais próximos. As nossas utopias são pessoais, não coletivas; e esse recuo é prova da nossa maturidade política e de uma certa decência moral.

Ao longo da história, as famílias sempre estiveram ao serviço da política e foram, por vezes, estilhaçadas por ela? É hora de virar o disco: uma sociedade política civilizada deve servir as famílias; deve permitir que estas possam cultivar as suas virtudes sem a intervenção e os constantes abusos do Estado.

E o Brasil será essa sociedade política civilizada no dia em que o ruído do mundo der lugar ao silêncio dos lares. No dia em que for possível, como escreve Reinaldo Azevedo, ter uma alma, cultivar intimidades, guardar as pequenas coisas ridículas, sem que a República conspire com suas sujidades e violências. Será esse o dia em que o famoso dilema de Camus deixará de fazer sentido: a justiça ou a minha mãe? 
Obviamente, a mãe.

Porque, como diria um velho apicultor sueco, nós nunca nos rendemos perante o que nos é sagrado. Recomeçamos.

(João Pereira Coutinho - Folha de São Paulo)

Thales Azevedo.