quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Medir para avançar rápido - Entrevista

O físico alemão que comanda os rankings de educação da OCDE diz que o Brasil precisa copiar práticas que dão certo em outros países para deixar de vez o grupo dos piores

Nenhum indicador sobre a qualidade de ensino tem tanto peso e repercussão quanto o Pisa, sigla em inglês para programa internacional de aferição de estudantes, que está sob os cuidados do físico alemão Andreas Schleicher, 44 anos. Há oito, ele é o responsável pela aplicação da prova, uma iniciativa da OCDE (organização que reúne as trinta nações mais desenvolvidas do mundo). Na comparação com 57 países, o Brasil sempre aparece entre os últimos colocados em todas as disciplinas. Situação que Schleicher conhece não apenas por estatísticas mas por suas viagens ao Brasil. Desde que assumiu o cargo, ele já visitou escolas em mais de 100 países – rotina que o mantém sempre longe de Paris, onde mora com a mulher e os três filhos.

Os brasileiros apareceram, mais uma vez, entre os piores estudantes do mundo nos últimos rankings de ensino da OCDE. O que o senhor descobriu ao analisar as provas desses estudantes? Elas não deixam dúvida quanto ao tipo de aluno que o Brasil forma hoje em escolas públicas e particulares. São estudantes que demonstram certa habilidade para decorar a matéria, mas se paralisam quando precisam estabelecer qualquer relação entre o que aprenderam na sala de aula e o mundo real. Esse é um diagnóstico grave. Em um momento em que se valoriza a capacidade de análise e síntese, os brasileiros são ensinados na escola a reproduzir conteúdos quilométricos sem muita utilidade prática. Enquanto o Brasil foca no irrelevante, os países que oferecem bom ensino já entenderam que uma sociedade moderna precisa contar com pessoas de mente mais flexível. Elas devem ser capazes de raciocinar sobre questões das quais jamais ouviram falar – no exato instante em que se apresentam.

Depois de mais de uma década de avaliações, o senhor vê avanços no caso brasileiro? Os resultados, apesar de ruins, são sempre um pouco melhores em relação aos anteriores. Além disso, o Brasil passou a ter chance de avançar no momento em que começou a mapear os problemas de maneira objetiva – e não mais com base na intuição de alguns governantes. Isso é básico. Não dá para pensar em melhorar algo que não foi sequer dimensionado. Daí a importância da comparação internacional. Ao olhar os rankings, pois, educadores e autoridades podem começar a fazer comparações e constatar o óbvio: suas escolas estão bem atrás das dos países da OCDE.

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Por que outros setores são mais globalizados do que a educação? Ao ficarem circunscritos às suas fronteiras e resistirem à idéia de aprender com a experiência alheia, os países estão movidos por uma espécie de orgulho patriótico sem sentido. O pensamento geral é algo como: "Cada um sabe o que é melhor para suas salas de aula". Essa mesma lógica do isolamento intelectual se repete entre as escolas e, mais surpreendente ainda, entre professores de um mesmo colégio. Pergunte a um deles o que o colega da sala ao lado está fazendo para resolver um problema comum a ambos e ouvirá como resposta: "Não tenho a mais vaga idéia". Nesse cenário, a China é uma ótima exceção e já começa a colher os efeitos positivos.

O que há de extraordinário no exemplo chinês? Os chineses não demonstram constrangimento em copiar o que funciona nos outros países. Ao contrário: eles são movidos por isso. Em uma visita à China, tive um encontro com o ministro da Educação e ele me surpreendeu ao revelar profundo conhecimento sobre a realidade de algumas das melhores escolas do mundo, como as coreanas e finlandesas. Trata-se de algo raríssimo de ver em qualquer outro país. A China, evidentemente, ainda tem muito que melhorar na educação – mas avança em ritmo veloz. Um novo estudo da OCDE traz um dado espantoso. Em 2015, haverá duas vezes mais chineses com diploma universitário do que na Europa e nos Estados Unidos juntos. Tudo indica também que logo esses estudantes terão acesso, em seu próprio país, a algumas das melhores universidades do mundo.

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Em sua opinião, como o Brasil faria melhor uso do dinheiro disponível? Reduzindo as altas taxas de repetência, por exemplo. Os estudos mostram que um aluno reprovado se torna 20 000 dólares mais caro para o estado. Dar a esses estudantes reforço na escola, de modo a evitar a reprovação, sairia bem mais barato. Trata-se de um claro sinal de ineficiência na gestão do dinheiro. Nessa velha ladainha sobre o aumento de verbas para a educação, as pessoas deixam ainda de lado outra questão bastante básica: de nada adianta aumentar o orçamento e continuar a investir num sistema velho e inoperante. É preciso lembrar, no entanto, que a má aplicação das verbas públicas no ensino não é uma exclusividade brasileira.

Por que o senhor diz isso? A educação é um setor com índices de produtividade declinantes no mundo todo: os custos só aumentam, ao passo que o ritmo de avanço na sala de aula é lento demais. Justamente o inverso do que ocorre com as grandes empresas privadas, que conseguem cortar gastos e produzir mais e melhor. Não recebo aplausos quando digo isso em minhas palestras. Tampouco faço sucesso ao afirmar que poucos setores são tão atrasados quanto a educação.

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Por que elas [as escolas] são tão antiquadas? A maioria das escolas ficou congelada no tempo desde o século XIX. Até hoje, elas aplicam conceitos idênticos aos daqueles colégios concebidos para tornar as pessoas compatíveis com a era industrial. Um de seus pilares é a divisão do conhecimento por áreas estanques e incomunicáveis. O outro é o treinamento para a execução de tarefas repetitivas. Enquanto focam demais em idéias do passado, as escolas deixam de mirar uma questão-chave e bem mais atual: o fundamental é que as pessoas aprendam a aplicar esse conhecimento em novas e avançadas áreas – e que não apenas o tenham armazenado. Alguns países já começam a entender isso. Os rankings da OCDE mostram que o Brasil ainda está um passo atrás.

Por Andreas Schleicher - Veja. Para ler a íntegra, clique aqui.

Thales Azevedo.

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