quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Touro Indomável

Robert De Niro é um dos maiores atores da história do cinema. O que dizer do seu papel mais importante, então? O que eu, um mero cinéfilo iniciante, posso dizer é que a interpretação do pugilista Jake La Motta por De Niro é, simplesmente, coisa de mestre, que lhe rendeu um Oscar mais do que merecido. Toda a fúria animalesca de Jake La Motta chega até nós da forma mais crua possível, criando uma das personalidades mais inesquecíveis já retratadas. Um sujeito bruto, mau caráter, desagradável, arrogante e paranóico. Há, porém, uma grande dose de ambigüidade nas suas atitudes, resultado, talvez, do fato de ele ser mais um incompreendido no mundo. Jake La Motta é mais complexo do que seus músculos podem aparentar.

E essa complexidade se confunde com Martin Scorsese na época em que filmava o filme. Ele mesmo já revelou que via muito de La Motta no seu próprio estado de espírito, decorrente do fracasso do seu último filme “New York, New York”, do seu vício em cocaína e por problemas no casamento. Aliás, é incrível como os idealizadores, principalmente na arte, fazem seus trabalhos mais profundos quando estão atolados em problemas e aflições.

A história de “Touro Indomável” foi adaptada da autobiografia de La Motta, campeão invicto dos pesos-médios na década de 1940, biografia marcada pela ascensão e a decadência fulminante provocada, como já disse antes, pelo seu temperamento explosivo. Quando penso nisso, uma cena vem na minha cabeça: La Motta e sua primeira esposa discutindo. Ele estava ansioso para comer um pedaço de carne, ela dizia que ainda não estava completamente pronto, que precisava fritar mais. Ele reclama das cenouras - ”Chama isso de cenouras?”. De tanto insistir, a esposa coloca com todo o desgosto do mundo o pedaço de bife no prato do pugilista reclamão. Ele não gosta - é uma falta de respeito, ora bolas – e, então, vira a mesa, deixando quebrar tudo que estava em cima e parte pra cima da mulher ainda mais agressivo. Ela se tranca no quarto e, por coincidência, seu irmão Joey, interpretado soberbamente por Joe Pesci, chega a sua casa, tomada por gritos. Jake ouve um dos seus vizinhos berrando “O que está acontecendo, animais?!”. Ele vira pro irmão e fala “O filho da puta me chamou de animal.” Logo depois, ele solta “Eu vou comer teu cão no almoço, vagabundo!”. É uma cena hilária e caótica, que representa bem a personalidade de La Motta.

Tecnicamente, o filme é perfeito. A fotografia em preto-e-branco é magistral. Além disso, somos contemplados com a competência de sempre de Scorsese, utilizando com mais freqüência neste filme ângulos poucos usuais, ainda mais claras nas cenas de lutas no ringue. O filme é repleto de cortes rápidos, o que torna ainda mais forte a sensação de levar um verdadeiro soco no estômago, um soco de verdade, forte como os de Jake La Motta. Aliás, o filme recebeu um Oscar para Montagem, merecidíssimo. Deveria receber ainda, no mínimo, os prêmios de Melhor Filme e Direção, mas nem sempre a Academia é justa, como a História tem provado. Hoje, “Touro Indomável” é considerado o melhor filme da década de 80 e um dos melhores de todos os tempos.

Voltando ao De Niro, devo lembrar que o ator engordou 30 quilos para interpretar os anos de decadência do boxeador, entregando-se completamente ao papel da sua vida. No final do filme, por exemplo, podemos ver uma das mais belas cenas do filme, uma homenagem a Marlon Brando, em “Sindicato de Ladrões”. É mais ou menos assim: La Motta se preparando para sua apresentação “Uma noite com Jake La Motta”, fala consigo mesmo:

-... Lembram-se da cena no carro com o seu irmão Charlie? Era assim... Não foi ele, Charlie. Foi você. Lembra de quando disse 'esta não é a sua noite'? “Vamos ganhar o dinheiro das apostas no Wilson. Esta não é a sua noite”. A minha noite. Podia ter acabado com o Wilson. E o que aconteceu? Ele ganhou o título. E eu um bilhete só de ida para a decadência. Depois disso já não prestei para nada, Charlie. Depois de se chegar ao topo, a tendência é sempre descer. Foi você, Charlie. Você era o meu irmão. Devia ter cuidado de mim, só um pouquinho. Devia ter cuidado de mim... Ao invés de me fazer perder de propósito por migalhas. Não compreende.
Eu podia ter tido categoria. Podia ter sido um pugilista. Podia ter sido alguém, em vez do vagabundo que sou hoje. Encaremos a realidade. Foi você, Charlie. Foi você.

Alexandre Rios.

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