sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O medo e David Lynch

Desde pequeno me interesso por filmes de terror. Lembro-me de ir à locadora com meu pai e ficar olhando com grande curiosidade todos aqueles filmes horripilantes em prateleiras mais isoladas. Aluguei poucos nessa idade, até porque meus pais não gostavam muito da idéia dos filhos assistirem a esse tipo de filme. Um dia peguei “O Iluminado”, versão de 1997, que marcou minha infância, particularmente. Foram três horas de pura tensão para um garoto de oito ou nove anos. Havia uma cena em que aparecia uma mulher assustadora na banheira, em um dos quartos do hotel amaldiçoado em que Jack Torrance vai zelar com a família. Até hoje me lembro dessa cena e da sensação de terror que ela provocou em mim. Desde então, poucas vezes consegui me assustar com filmes de suspense ou terror, ainda mais nos últimos anos, com os efeitos especiais sendo inseridos nesse tipo de filme, deixando tudo muito artificial e sem graça. Porém, aos 16 anos voltei a ficar com medo graças a uma película. O filme “Cidade dos Sonhos”, de David Lynch, talvez não seja terror nem suspense. Ou talvez seja as duas coisas juntas, dentro de um drama intenso e, principalmente, surreal. Passei uma semana pensando naquele filme, tentando decifrar todos os mistérios levantados e me questionando como “o sentir” às vezes é mais importante do que “o entender”.

Aliás, esse é o cara que me faz sentir medo: David Lynch. Muitos devem sentir o mesmo quando vêem alguns dos seus filmes. É impressionante a sua mente insana. Também é impressionante como ele consegue, através de muita técnica, inserir-nos nas histórias bizarras e surreais, mesmo sendo saber se estamos caminhando com nossos próprios pés ou se estamos sendo carregados. Em “Cidade dos Sonhos” não tive escolha. O filme me prendeu completamente, só pude escapar quando os créditos apareceram na tela. Ainda bem.

Um exemplo de como o David Lynch é mestre em nos assustar pode ser encontrado logo no início deste filme, na cena em que o mendigo aparece para um homem perturbado, que tinha sonhado com uma situação especial nas noites anteriores, que culminava com a aparição do ser assustador em questão. Na cena, o tal homem conversa com outro pela manhã em um bar. O primeiro narra seu sonho e pede para o outro, que também estava no sonho, para que o acompanhasse para a parte externa ao estabelecimento, porque ele precisava saber se existia mesmo o mendigo responsável pelas suas angústias. À medida que os dois avançam, a trilha intensa de Angelo Badalamenti ganha força e, neste momento, todos sabemos que o mendigo vai aparecer de qualquer jeito, sendo questão de tempo para isso. O susto, porém, é inevitável. E é tão forte que nos pega de surpresa, apesar de esperarmos a aparição. No final das contas, o homem angustiado não agüenta e morre. O coração dele parou; o meu batia forte.

O que dizer, também, da cena de “Estrada Perdida” em que o rosto da mulher do protagonista Fred Madison se transforma no rosto do Homem Misterioso logo após o casal consumar um ato sexual? Ou, ainda neste filme, quando o mesmo Homem Misterioso conversa com o protagonista em dois locais diferentes ao mesmo tempo: cara a cara, no salão de uma festa, e ao telefone, acompanhado de uma risada assustadora, que logo determina os rumos bizarros que a história vai levar?

Ontem à noite vi o mediano “Império dos Sonhos”. Neste filme, o egoísmo de David Lynch, massageando todo o seu ego, transforma um filme com grande potencial em um grande recorte sem sentido, o que parece ser comum nos seus filmes, mas aqui toma proporções exageradas, o que prejudica a análise do longa. O filme dura três horas, que passam rápido, convenhamos, mas desnecessariamente. No final das contas, parece que muitas cenas são descartáveis e, por conta disso, não conseguiram, pelo menos comigo, prender-me no grande pesadelo da protagonista, interpretada por Laura Dern. O filme é tenso e nos garante bons sustos, como a face desfigurada da protagonista, que pode ser vista neste post. Aliás, penso que o Lynch possa estar realizando uma trilogia sobre Hollywood, de como ela pode ser gloriosa ou perversa e como isso interfere nas vidas angustiantes dos personagens. “Cidade dos Sonhos” e “Império dos Sonhos” podem ser encarados como dois filmes com essa temática. Algo como um “Crepúsculo dos Deuses” mais surreal e moderno.

Eu sonho pouco. Certa vez conversei com uma amiga sobre isso. Falei com ela que gostaria de ter mais pesadelos. Ela se assustou, disse que tinha com certa freqüência e odiava, e concluiu que eu estava louco. Eu disse a ela que o bom de ter pesadelos é que acordamos e nos livramos de toda aquela angústia tensa. Tudo é irreal. Não deixa de ser um entretenimento, ora bolas. No final das contas, a vida parece perfeita porque tudo aquilo ruim desaparece com um simples abrir de olhos. É por isso que eu gosto do David Lynch, porque ele cria sonhos, o que é algo mágico. Como disse a crítica do "New York Times" recentemente: "Há poucos lugares no cinema tão assustadores para se ficar quanto a cabeça de David Lynch". E eu concluo dizendo que assistir a seus filmes é como sonhar com os olhos bem abertos.

Alexandre Rios

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