domingo, 11 de janeiro de 2009

Twin Peaks

David Lynch e Mark Frost deram uma de Hitchcock em Twin Peaks. Respeitaram o gênero, a novela, com suas simplificações de comportamento, melodramatização, isto é, como a massa vê as coisas, ou como pensa que vê, e encheram o formato de silêncios penetrantes, imagens vivas, frescas, um diálogo que, sem ser intelectual, é dos mais inteligentes que já ouvi, e até a música, usando às vezes em crescendo orquestral um acorde de uma gravação célebre de Bob Dylan e Johnny Cash, colabora para dar uma densidade e profundidade àquela aparência lavada e rica da realidade americana que é raro até vermos em filme. Quando a televisão de alta definição se tornar comercial, ninguém mais irá ao cinema, logo é melhor tentar dizer alguma coisa com a linguagem de televisão.

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O langor mórbido de David Lynch. Cada cena do último episódio de "Twin Peaks" parece auto-suficiente e é esmiuçada, acabada, até o último "take". Gente que nunca deu no couro como atriz, Piper Laurie, deliciosa quando jovem, parece renascida em Stanislavski. E as piadas "in" como ter Richard Beymer, cantor saudável de "West Side Story", como um tarado, e Russ Tramblyn, dançarino amado pelas meninas e bocas de fogo dos musicais da Metro dos anos 50, como um psiquiatra tarado por Laura Palmer, a heroína que morreu. Lynch desconstrói o simplorismo, melodramatismo e linearidade da "soap" típica, enchendo esses vazios com mensagens contraditórias, insuflando uma ambivalência na conduta das pessoas, que é o que obras de arte fazem, mas o povão detesta. Me contaram que no "Pantanal" aparece o Pantanal e nu frontal e trepadas. Não há o menor nu em "Twin Peaks", mas garanto que o erotismo é muito maior, não naturalmente para quem acha "Playboy" erótico, mas para quem já passou da fase do açougue. Lynch está mesmo de costas para lua. Não que aqui tenha importância, mas ganhou a Palma de Ouro de Cannes, com "Wild at Heart", e foi, como todo bom ganhador, copiosamente vaiado (li em dois jornais brasileiros que foi aplaudido. Li sobre a vaia no "Times", nesses assuntos tão digno de confiança quanto o "World Almanac"). Aparece na foto com a mulher, Isabella Rosselini, que vejo algumas vezes no Sonho. Ela, uma das modelos mais bem-pagas do mundo, dez mil dólares a hora, anda sempre toda esculhambada, ele se veste sobriamente. Mas o sucesso de Lynch não é em cinema, cada vez com menos público, mas pelo que penetrou na televisão. Gente que nunca dá a menor pelota à programação das redes saiu da toca para comentar a minissérie. Isso parece ter provocado ciúmes tremendos nos profissionais da rotina, porque, apesar de "Twin Peaks" estar na frente em audiência de outros "soaps", como "Dallas" etc., em que ninguém que eu conheça sabe o que está acontecendo, a minissérie foi posta às dez da noite sábado a partir de setembro, que é o pior horário das redes em horário nobre. Nas revistas de show business se sentia um ressentimento do interesse de intelectuais em "Twin Peaks", quando todos, à menor provocação, estão dispostos a declarar que a televisão nos EUA é um lixo e que deseduca as massas.

(Paulo Francis)

Thales Azevedo.

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