segunda-feira, 8 de junho de 2009

Artistas muçulmanas expressam conflitos políticos em um "expressionismo islâmico"


Por Deborah Sontag

Tradução: Eloise De Vylder

The New York Times

Depois de um longo namoro por telefone, a pintora Asma Ahmed, de Karachi, no Paquistão, casou-se com seu noivo, Rafi-uddin Shikoh, consultor de negócios em Nova York, numa cerimônia bicontinental, por webcam. Quando a noiva se mudou para Queens em 2002, tentou se sentir à vontade, reivindicando seu espaço através da arte.


No Paquistão, o trabalho de Ahmed Shiko era sócio-político e retratava sua visão de um país colonizado pelas redes de fast-food americanas em telas como "The Invasion" ["A Invasão"], na qual uma multidão de Ronald McDonalds, usando perucas de palhaço em vermelho gritante, cercam um monumento central em Karachi.

Aqui, entretanto, a arte dela foi ficando profundamente pessoal à medida que ela tentava se ajustar à sua nova identidade como imigrante e como uma muçulmana cada vez mais praticante (em sua terra natal, ela raramente punha os pés numa mesquita). Em suas primeiras pinturas feitas nos EUA, Ahmed Shikoh revestiu a Estátua da Liberdade em sua própria imagem: com um vestido de casamento paquistanês, como uma imigrante grávida e como uma mãe real, com seu bebê no colo. Depois ela usou tinta e caligrafia árabe para transformar o mapa do metrô em um manuscrito em urdu, que fez a cidade parecer mais sua.

Finalmente, em 2006, depois de tomar a difícil decisão de cobrir seu cabelo, inspirada por mulheres muçulmanas americanas que conseguiam combinar a fé e a carreira, Ahmed Shikoh começou a usar o lenço de cabeça como uma imagem recorrente em sua arte.

Aparentemente, Ahmed Shikoh, 31, tem pouca coisa em comum com Negar Ahkami, 38, uma artista iraniano-americana magra e de cabelos pretos, além do espaço na parede que elas dividem na recém-inaugurada exposição "The Seen and the Hidden: [Dis]Covering the Veil" ["O Revelado e o Velado: [Des]Cobrindo o Véu", em tradução livre], no Austrian Cultural Forum em Manhattan. Ahkami, que cresceu nos subúrbios de Nova Jersey, considera a si mesma apenas "tecnicamente muçulmana" e brinca com imagens estereotipadas de mulheres exóticas do Oriente Médio em sua arte.

Mas as duas têm em torno de 30 anos, são mães de crianças pequenas e artistas emergentes na região de Nova York. Ambas estão explorando suas identidades a partir de sua herança cultural desde o atentado de 11 de setembro. E ambas estão trabalhando para criar uma nova forma de arte islâmica que é moderna, ocidentalizada e centrada na mulher.

"Como mulheres artistas de descendência muçulmana, tanto Asma quanto Negar estão tentando descobrir quem elas são, olhar para si mesmas e sua herança cultural e ir além dos estereótipos", disse David Harper, curador da mostra do Austrian. "O que é mais interessante é que elas apresentam duas formas bem diferentes de examinar o assunto em solo americano."

"The Hidden and the Seen", que vai até 29 de agosto, expõe obras de 15 artistas, 13 delas mulheres, entre as quais Ahmed Shikoh e Ankami são as únicas que moram nos Estados Unidos em tempo integral. A mostra é um evento-parceiro do Festival Muçulmano Vozes organizado pela Academia de Música do Brooklyn, a Asian Society e o Centro para os Diálogos da Universidade de Nova York.

Nessa exposição, Ahmed Shikoh e Ahkami buscam humanizar as mulheres por trás do véu. A abordagem de Ahmed Shikoh é profundamente séria.

Sua instalação, "Beehive" ["Colmeia"], é uma colmeia de abelhas de papelão cujas células estão preenchidas com os lenços coloridos que ela coletou de centenas de mulheres muçulmano-americanas que também enviaram mensagens - "Corri a maratona de Bolder Boulder usando esse lenço" - que pontuam esse trabalho intencionalmente mal-acabado.

Em contraste, a peça de Ahkami é brincalhona, cáustica e bem acabada. Consiste em oito bonecas, uma dentro da outra, luxuosamente pintadas em cores brilhantes com rostos dourados, transformadas em "Persian Dolls" ["Bonecas Persas"]. A boneca de fora é austera, com sobrancelhas grossas e unidas, vestida com um xador [traje feminino muçulmano] inteiro e preto. As bonecas cada vez menores, do lado de dentro, usam lenços de cabeça Chanel ou vestidos de festa ou, a menor de todas, não usa nada além de suas próprias curvas.

"Sempre tive problemas com as imagens de mulheres iranianas, sóbrias, sem humor, vestidas em xador completo preto", disse Ahkami. "Para mim, essas imagens não refletem a verdadeira mulher iraniana assim como as imagens das garotas de harém feitas no século 19 não refletiam".

Ahkami concedeu a entrevista recentemente em seu estúdio no Queens, sentada confortavelmente num sofá Luís 14, totalmente fechado, que ela desenhou para replicar os sofás ornamentados normalmente encontrados nas salas de estar iranianas. Ela o chama de "Suffocating Loveseat Sectional" [algo como "Namoradeira Modular Sufocante"]; sofás semelhantes aparecem, cheios de concubinas e mulheres encobertas, em suas pinturas fantásticas de cenas de harém.

Apesar de "Persian Dolls" ser uma escultura, Ahkami é principalmente uma pintora, de quadros com uma narrativa elaborada na qual ela combina a estética persa com a crueza psicológica da arte ocidental.

"Sempre senti que deveria haver um expressionismo islâmico", disse ela. "Queria especialmente que a arte persa, que é tão delicada e refinada, não fosse tão distante da angústia que tantas pessoas lá sentiam."

Ahkami também se sentiu angustiada. Filha de iranianos que emigraram nos anos 60, ela cresceu em Clifton, Jova Jersey, e se lembra de ter passado "verões mágicos" no Irã até a revolução islâmica de 1979. Com a crise dos reféns, seu mundo se dividiu em dois, fazendo com que ela se sentisse filha de um complicado divórcio público.

"Na época em que eu estava tentando me adequar ao ambiente, foi muito confuso para mim", disse. "Eu nasci aqui, e de repente a menina do outro lado da rua dizia: 'Você nunca me falou que era iraniana. Você disse que era persa.' E eu nunca mais a vi."

Uma jovem artista supersensível, Ahkami não ficou magoada apenas com o colega de classe que sussurrou "ayatollah" para ela. Ela odiava ter que explicar como era sua família no contexto das imagens de televisão que fizeram todos os iranianos parecerem fundamentalistas que gritavam "morte aos Estados Unidos". Ela odiava a forma como a cultura que ela amava era "degradada, demonizada e reduzida a uma caricatura" tanto nos EUA quanto no Islã.

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Alexandre Rios.

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