sábado, 12 de setembro de 2009

Profissão: Repórter


-É bonito, não acha?

-Bonito? Não sei. Tão parado. Como se estivesse... esperando.

-Você é poético demais para um homem de negócios.

-É? O deserto não tem o mesmo efeito sobre você?

-Não. Prefiro gente a paisagens.

-Há homens que vivem no deserto.

-Tem família?

-Não tenho família ou amigos. Só algumas obrigações e um coração ruim.


(...)


-Eu não deveria beber.

-Que tal mais um drinque?

-Por que não?

-E agora?

-Vou continuar minha volta ao mundo. Sou um globetrotter. Vivo um dia de cada vez.

-Deve ser diferente para você, não?

-É diferente.

-Mas deve ter estado em muitos lugares.

-É verdade.

-E Umbugbene? Aposto que nunca esteve lá.

-Não.

-Um lugar horrível. Aeroportos, táxis, hotéis. São todos iguais no fim das contas.

-Não concordo. Somos nós que nunca mudamos. Traduzimos situações e experiências da mesma maneira. Nós nos condicionamos. Somos escravos da rotina.

-É isso?

-Algo do gênero. Por mais que você tente...É muito difícil deixar os hábitos de lado.


(...)


-Posso fazer uma pergunta?

- Uma, sim.

- Só uma. A mesma. Do que está fugindo?

-Vire-se de costas para o banco da frente. Fugi de tudo. Da minha mulher. Da casa. De um filho adotivo. De um bom emprego. De tudo, exceto alguns maus hábitos.

-Como conseguiu isso?

-Houve um acidente. Todos pensaram que eu estava morto. E eu deixei que pensassem.

-Não há como explicar, há?

-Acho que vou ser garçom em Gibraltar.

-Óbvio demais.

- Ou um escritor no Cairo.

- Romântico demais.

- Que tal traficante de armas?

- Improvável demais.

-Na verdade, acho que sou um.


(...)


-Não seria horrível ser cego?

-Conheço um homem que era cego. Com quase 40 anos, fez uma cirurgia e recobrou a visão.

-E como foi?

-Primeiro, foi o êxtase. Ele se sentiu muito bem. Rostos... Cores... Paisagens. Mas depois tudo começou a mudar. O mundo era muito mais pobre do que imaginava. Ninguém tinha contado quanta sujeira havia nele. Quanta feiúra. Ele via feiúra em toda parte. Quando era cego atravessava a rua sozinho com uma bengala. Depois de recobrar a visão passou a sentir medo. Começou a viver na escuridão. Nunca saía do quarto. Depois de três anos ele se matou.


(...)


-Este é David Robertson? Você o reconhece?

-Nunca o vi.

-Você o reconhece?

-Sim.


Profissão: Repórter, obra-prima irretocável.


Alexandre Rios.

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