domingo, 14 de junho de 2009

Relato da barbárie

Retirado do site Carta Maior.

Segue o relato do Prof. Dr. Pablo Ortellado, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades, da Universidade de São Paulo, sobre os acontecimentos de ontem no campus da USP:

Prezados colegas,

Eu nunca utilizei essa lista para outro propósito que não informes sobre o que acontece no CO (transmitindo as pautas antes da reunião e depois enviando relatos). Essa lista esteve desativada desde a última reunião do CO porque o servidor na qual ela estava instalada teve problemas e, com a greve, não podia ser reparado. Dada a urgência dos atuais acontecimentos, consegui resgatar os emails e criar uma lista emergencial em outro servidor. O que os senhores lerão abaixo é um relato em primeira pessoa de um docente que vivenciou os atos de violência que aconteram poucas horas atrás na cidade universitária (e que seguem, no momento em que lhes escrevo – acabo de escutar a explosão de uma bomba). Peço perdão pelo uso desta lista para esse propósito, mas tenho certeza que os senhores perceberão a gravidade do caso.

Hoje, as associações de funcionários, estudantes e professores tinham deliberado por uma manifestação em frente à reitoria. A manifestação, que eu presenciei, foi completamente pacífica. Depois, as organizações de funcionários e estudantes saíram em passeata para o portão 1 para repudiar a presença da polícia do campus. Embora a Adusp não tivesse aderido a essa manifestação, eu, individualmente, a acompanhei para presenciar os fatos que, a essa altura, já se anunciavam. Os estudantes e funcionários chegaram ao portão 1 e ficaram cara a cara com os policiais militares, na altura da avenida Alvarenga. Houve as palavras de ordem usuais dos sindicatos contra a presença da polícia e xingamentos mais ou menos espontâneos por parte dos manifestantes. Estimo cerca de 1200 pessoas nesta manifestação.

Nesta altura, saí da manifestação, porque se iniciava assembléia dos docentes da USP que seria realizada no prédio da História/ Geografia. No decorrer da assembléia, chegaram relatos que a tropa de choque havia agredido os estudantes e funcionários e que se iniciava um tumulto de grandes proporções. A assembléia foi suspensa e saímos para o estacionamento e descemos as escadas que dão para a avenida Luciano Gualberto para ver o que estava acontecendo. Quando chegamos na altura do gramado, havia uma multidão de centenas de pessoas, a maioria estudantes correndo e a tropa de choque avançando e lançando bombas de concusão (falsamente chamadas de “efeito moral” porque soltam estilhaços e machucam bastante) e de gás lacrimogêneo. A multidão subiu
correndo até o prédio da História/ Geografia, onde a assembléia havia sido interrompida e começou a chover bombas no estacionamento e entrada do prédio (mais ou menos em frente à lanchonete e entrada das rampas).

Sentimos um cheiro forte de gás lacrimogêneo e dezenas de nossos colegas começaram a passar mal devido aos efeitos do gás – lembro da professora Graziela, do professor Thomás, do professor Alessandro Soares, do professor Cogiolla, do professor Jorge Machado e da professora Lizete todos com os olhos inchados e vermelhos e tontos pelo efeito do gás. A multidão de cerca de 400 ou 500 pessoas ficou acuada neste edifício cercada pela polícia e 4 helicópteros. O clima era de pânico. Durante cerca de uma hora, pelo menos, se ouviu a explosão de bombas e o cheiro de gás invadia o prédio. Depois de uma tensão que parecia infinita, recebemos notícia que um pequeno grupo havia conseguido conversar com o chefe da tropa e persuadido de recuar. Neste momento, também, os estudantes no meio de um grande tumulto haviam conseguido fazer uma pequena assembléia de umas 200 pessoas (todas as outras dispersas e em pânico) e deliberado descer até o gramado (para fazer uma assembléia mais organizada). Neste momento, recebi notícia que meu colega Thomás Haddad havia descido até a reitoria para pedir bom senso ao chefe da tropa e foi recebido com gás de pimenta e passava muito mal. Ele estava na sede da Adusp se recuperando.

Durante a espera infinita no pátio da História, os relatos de agressões se multiplicavam. Escutei que a diretoria do Sintusp foi presa de maneira completamente arbitrária e vi vários estudantes que tinham sido espancados ou se machucado com as bombas de concusão (inclusive meu colega, professor Jorge Machado).

Escutei relato de pelo menos três professores que tentaram mediar o conflito e foram agredidos. Na sede da Adusp, soube, por meio do relato de uma professora da TO que chegou cedo ao hospital que pelo menos dois
estudantes e um funcionário haviam sido feridos. Dois colegas subiram lá agora há pouco (por volta das 7 e meia) e tiveram a entrada barrada – os seguranças não deixavam ninguém entrar e nenhum funcionário podia dar qualquer informação. Uma outra delegação de professores foi ao 93o DP para ver quantas pessoas haviam sido presas. A informação incompleta que recebo até agora é que dois funcionários do Sintusp foram presos – mas escutei relatos de primeira pessoa de que haveria mais presos.

A situação, agora, é de aparente tranquilidade. Há uma assembléia de professores que se reuniu novamente na História e estou indo para lá. A situação é gravíssima. Hoje me envergonho da nossa universidade ser dirigida por uma reitora que, alertada dos riscos (eu mesmo a alertei em reunião na última sexta-feira), autorizou que essa barbárie acontecesse num campus universitário.

Estou cercado de colegas que estão chocados com a omissão da reitora. Na minha opinião, se a comunidade acadêmica não se mobilizar diante desses fatos gravíssimos, que atentam contra o diálogo, o bom senso e a liberdade de pensamento e ação, não sei mais. Por favor, se acharem necessário, reenviem esse relato a quem julgarem que é conveniente.

Cordialmente,

Prof. Dr. Pablo Ortellado

Escola de Artes, Ciências e Humanidades

Universidade de São Paulo

Alexandre Rios.

5 comentários:

Thales disse...

Preguiça...

Lucas Caires disse...

É interessante como os acontecimentos se tornam mais claros quando vivenciamos de perto.

A greve é constituída pelos funcionários e alunos da UNICAMP, USP E UNESP. Os funcionários reivindicam, basicamente, o aumento salarial. Enquanto que os estudantes reivindicam a maior disponibilidade de verbas para a assistência estudantil e o fim da UNIVESP (programa de ensino à distância do estado de São Paulo).

Enfim, a pauta dos alunos e funcionários é interessantes e merece ser ouvida pelo governo do Estado de São Paulo.
Contudo, é triste ver como o governo respondeu aos protestos. Essa repressão começou desde a primeira reunião dos estudantes no campus da USP e chegou a esse estado crítico e desnecessário.

Resta-nos reivindicar uma discussão democrática(digo sem cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo) com o Estado de São Paulo.

Alexandre Rios disse...

Pois é, Caires. Além desse relato de um professor, conversei com nosso amigo Otávio, estudante da USP, que esclareceu pra mim a opressão desnecessária da polícia no campus da USP, desde a presença constante sem motivo até essa repressão violenta. As divergências deveriam ser resolvidas no diálogo, na democracia.

Como você mesmo disse, os acontecimentos se tornam mais claros quando vivenciamos de perto. Algumas pessoas, porém, preferem absover a opinião - menos importante do que os fatos em si - de alguns colunistas com vigor e têm "preguiça" de analisar os fatos, até mesmo daqueles que acompanharam o processo de perto.

Thales disse...

01. Os grevistas tentaram impedir a livre circulação de pessoas, direito garantido por lei.

02. Os grevistas agrediram fisicamente a universidade.

03. A Polícia Militar só entrou no campus com autorização judicial.

04. A Polícia Militar foi intimidada pelos grevistas.

05. A Polícia Militar só entrou em ação quando se tentou coibir o direito de ir e vir. O direito da maioria de não aderir a greve e de ter acesso à universidade. A Polícia Militar só entrou em ação para permitir o pleno funcionamento da democracia.

Mas ditador não é mais quem bloqueia direitos. É quem aparece, constitucionalmente, para garanti-los.

Sobre depoimentos de A, B ou C, que "vivenciem de perto", não falta material, como a entrevista do professor Dalmo Dallari à Folha de São Paulo, "nome sempre associado às causas de esquerda", segundo o jornal, da qual segue trecho.

Essas pessoas têm um radicalismo fora de moda.
Querem impor a adesão ao movimento por intermédio dos piquetes. É natural que quem reivindica procure obter adesão. Mas isso deve ser feito pelo convencimento. E não cerceando os direitos dos professores, funcionários e alunos que querem atividades normais. Não posso reivindicar o meu direito agredindo o dos outros.

Querem fatos? Aos fatos.

Thales disse...

Querem expor "pautas interessantes" ao governo? Querem diálogo, discussão democrática, sem cassetete, sem gás lacrimogêneo?

Basta fazer isso democraticamente. Basta fazer isso com diálogo e com respeito às liberdades.

Triste é ver como 0,3% da USP resolveram passar por cima dos direitos de 99,7% para mostrar o que queriam.