sábado, 17 de maio de 2008

Blade Runner


Alguns filmes só são reconhecidos tardiamente. E ‘Blade Runner’ é um exemplo. O filme, de 1982, dirigido por Ridley Scott foi um fracasso nas bilheterias, mas virou um clássico tempo depois, quando foi devidamente reconhecido. A resposta para essa divergência entre sucesso comercial e reconhecimento artístico é bastante clara e comum. Filmes de ficção científica costumam apelar para efeitos especiais em um roteiro massificado e simplista, o que não é o caso do filme em questão. A atmosfera sombria que o filme exala é resultado de uma visão pessimista do futuro pelo diretor Ridley Scott, com pitadas filosóficas, sustentadas em um roteiro competente e diálogos memoráveis.

O futuro em questão corresponde ao ano de 2019. O planeta, castigado por desastres ambientais, encontra-se abandonado pela humanidade, que migrara para colônias espaciais mais seguras. Na verdade, apenas a população marginalizada, sem perspectivas, habita a grande sucata chamada Terra. Nesse contexto, são criados andróides extremamente avançados utilizados nas colônias como escravos, chamados replicantes, feitos à imagem e semelhança do homem, considerados ameaças sujeitas à pena de morte se encontradas na Terra após um sangrento motim em uma das colônias. Para eliminar os replicantes, unidades especiais chamadas ‘Blade Runner’ são fundadas, com total liberdade de atirar para matar em qualquer replicante infrator. Como afirma a apresentação inicial do filme, isso não era chamado de execução. Era chamada “aposentadoria”. Resumindo, máquinas com sentimentos eram consideradas recicláveis.

Um ex-caçador, Deckard (Harrison Ford) é convocado para liderar a eliminação de cinco intrusos, que fugiram para o planeta, mais especificamente para a cidade de Los Angeles, exigindo à organização que os criaram, a Tyrell Corporation, aumentar seu tempo de vida – que dura apenas quatro anos. Os replicantes, ao serem montados, recebiam memórias afetivas, assemelhando-se aos seres humanos, seus criadores. O conflito entre o criador e a criatura é, então, explorado na construção do filme. De fato, a desumanização do homem pelo próprio homem converge com a figura do andróide, confuso e abandonado no caos.

As sociedades contemporâneas, resultados da intensa ação humana, são idealizadas entre neons e smog´s, onde os humanos pouco se relacionam, aparentando vagabundos vagando pelas ruas, sem destino. A trilha sonora, futurista, é outro grande destaque, essencial para a construção da mensagem transmitida no filme e que o acompanha em quase todas as cenas, completando-as quase que perfeitamente.

‘Blade Runner’ é um filme essencialmente sombrio. A escuridão, aliada a efeitos especiais atemporais, acompanha o filme em todas as cenas, com um pessimismo impressionante do início ao fim – a primeira versão do filme, aliás, teve seu desfecho modificado para atender aos “anseios comerciais”. A última versão produzida por Ridley Scott – a que está sendo comentada aqui – apresenta sua cena final como uma grande incógnita, genial por não ser auto-explicativa, além de crua, quase selvagem, sem falsas esperanças. Aliás, Deckard nos conduz em um noir futurista que ainda será cultuado por gerações. Nessa jornada, sua identidade é revelada, soando quase profética, nos fazendo refletir sobre aquilo que vivemos atualmente. Afinal, o futuro idealizado por Ridley Scott é o presente simbólico de hoje.


Alexandre Rios.

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