sábado, 21 de março de 2009

Entrevista com Clint Eastwood

Por Leonardo Cruz

Na noite do último dia 25, Clint Eastwood recebeu em Paris uma Palma de Ouro especial por toda sua obra no cinema. Foi apenas a segunda vez em sua história que o Festival de Cannes entregou tal prêmio _a primeira havia sido em 1997, para o sueco Ingmar Bergman.

Nada mais justo. Com 78 anos de idade e 54 de carreira, Clint é um dos mais importantes cineastas americanos na ativa, de trajetória só comparável à de outros três gigantes: Francis Ford Coppola, Martin Scorsese e Woody Allen.

Após despontar como ator nos anos 60 em filmes como “Por um Punhado de Dólares”, de Sergio Leone, e “Meu Nome É Coogan”, de Don Siegel, ele percorreu um caminho entre a atuação, fonte de prazer, dinheiro e fama, e a direção, sua maior satisfação profissional.

Viveu personagens que se tornaram célebres, como o detetive justiceiro Harry, o sujo, em “Perseguidor Implacável” (1971) e mais quatro longas. E realizou trabalhos premiados e elogiados pela crítica, como “Os Imperdoáveis” (1992).

No mesmo 25 de fevereiro, horas antes do tributo na França, o cineasta atendeu a Folha por telefone, na única entrevista ao Brasil para falar sobre “Gran Torino”. No novo filme, Clint dirige e interpreta Walt Kowalski, metalúrgico aposentado, que mora em um bairro empobrecido da Detroit de indústria automotiva decadente. Gran Torino é o Ford 1972 que Kowalski guarda na garagem, memória do passado próspero.

Veterano da Guerra da Coreia, ele mantém uma bandeira americana na entrada de casa e detesta seus vizinhos. São de uma comunidade hmong, etnia asiática que apoiou os EUA na Guerra do Vietnã, foi perseguida após o conflito e, em boa parte, fugiu para o Ocidente.

A ação do filme nasce dessa convivência entre o americano racista e rancoroso e os asiáticos da porta ao lado, em especial o jovem Thao. Xenofobia, crise dos valores da família e da igreja e negação da vingança como justiça social emergem em “Gran Torino”, ótima síntese das questões centrais da obra mais recente do diretor.

O filme, que estreia na próxima sexta no país, é o tema deste primeiro trecho da entrevista exclusiva. No post seguinte, o diretor faz um balanço da carreira.

*

Muitos de seus filmes mostram uma sociedade em declínio moral. Em “Gran Torino”, há também a decadência econômica. Isso reflete o espírito dos EUA hoje?

De certa forma, sim. Principalmente da região de Detroit, onde a indústria automobilística, antes símbolo do país e que hoje produz carros que ninguém mais quer, espera ser resgatada pelo governo. É um pouco sobre essa região em depressão, de fábricas fechadas e desemprego.
“Gran Torino” está no meio disso tudo, porque Walt Kowalski é um aposentado com problemas ligados a pessoas de dentro e de fora de seu círculo social. Muitos de seus amigos e contemporâneos estão mortos. E ele tem problemas com a igreja, com sua família, e seus preconceitos o colocam em choque com a vizinhança. Até que ele percebe que esses vizinhos asiáticos são mais voltados para a família do que ele é.

O contraste entre valores ocidentais e orientais foi algo que o atraiu no roteiro de Nick Schenk?

Sim. Gosto desse espírito de Kowalski, de homem obstinado. E também do fato de ele conseguir mudar, aprender algo. É isso que o filme resume: não importa a idade, sempre há algo a aprender sobre a vida, as pessoas e tolerância.

Críticos nos EUA disseram que Kowalski é uma espécie de Harry, o sujo, na velhice. Mas Kowalski carrega um forte sentimento de culpa pelo que fez na Coreia, e a forma como resolve as coisas em “Gran Torino” fazem dele o oposto da figura do vingador.

Creio que as pessoas concluíram apressadamente essa relação com “Dirty Harry”, sem refletir muito ou observar essa questão sob outro ângulo. Vejo o personagem como você colocou. Walt Kowalski é uma pessoa diferente. Tem que lidar com uma série de problemas que Harry nunca enfrentou.

Kowalski é uma espécie de resposta a Harry e àquela visão romântica do vingador dos anos 70?

Não estou tentando fazer um comentário sobre os anos 70. Os anos 70 foram os anos 70. E isso é agora. Mas, se há ou não alguma resposta escondida, eu desconheço. Só penso sobre “Gran Torino” no tempo presente. Nesse personagem e em seus problemas de agora. Kowalski me traz lembranças da época em que eu era militar. Senti que era capaz de compreendê-lo. Apesar de não ter ido à Guerra da Coreia, conheci muita gente que foi e que passou por aquilo que Kowalski passou. E você faz coisas malucas quando é jovem, coisas que, quando olha para trás, revê com certo arrependimento.

Dúvidas sobre a autoridade religiosa estão presentes em “Gran Torino” e em outros filmes recentes seus, como “Menina de Ouro” e “A Troca”. Por que esse é um tema tão relevante?

Não sei explicar. Em “Menina de Ouro”, isso era parte da estrutura do roteiro. Frankie Dunn [o personagem de Clint naquele filme] tinha uma atitude de confronto em relação a seu padre, uma coisa quase sádica. Ia à igreja todos os dias para confrontar o padre. Mas Kowalski é uma pessoa que simplesmente não quer ser importunado pela igreja. Não é o crente que sua mulher foi, mas volta para fazer uma confissão e pôr sua vida em ordem.

Você teve que fazer alguma grande mudança no roteiro?

Não. O roteiro original estava muito bom. Mudei alguns diálogos e algumas coisas aqui e ali, mas, em geral, o roteiro estava em boa forma. Filmei da maneira como estava.

Alguma cena foi mais difícil de filmar em “Gran Torino”?

Toda cena tem seus pequenos obstáculos. O grande desafio foi trabalhar com a cultura hmong, usando pessoas reais, amadoras, sem atores de grande experiência. Mas todo mundo entendeu o projeto e fez um bom trabalho.

Como você os preparou?

Eles trabalharam muito por si mesmos. Eu só cuidava da atmosfera das cenas, para que todos entrassem no clima que eu queria. Eles perceberam que, se para mim o resultado estava bom, para eles também.

Thao e Kowalski são, de formas distintas, “outsiders” em suas comunidades. Esse é um elemento de ligação entre os dois?

Sem dúvida. Walt tem reticências, mas sente prazer em tutorar o garoto e orientá-lo até o ponto em que ele aprende a ética do trabalho e uma profissão. Walt espera ser uma influência sobre Thao, quer que ele tenha uma vida melhor. Minha intenção sempre foi a de que o filme mantivesse um tom de esperança.

Alexandre Rios.

Um comentário:

Anônimo disse...

O filme, por sinal, é muito bom!