quinta-feira, 31 de julho de 2008

Adultos em Pijamas - Um texto negativo sobre TDK


Bem, não achei Batman - The Dark Knight um filme ruim. Mas o recordista de bilheterias deixa a desejar em uma série de fatores. As críticas e o público, em geral, estão maravilhados. Como dos elogios todo mundo já sabe, posto um dos poucos - pra não dizer o único - textos negativos que li.

NADA TENHO contra vigilantes. Contra? Minha adolescência cinéfila não foi só Bergman, não foi só Bresson, não foi só Renoir. Nos intervalos, escondido de meus amigos intelectuais, eu gostava de assistir a Clint Eastwood limpando as ruas de San Francisco. "Do you feel lucky, punk?" converteu-se para mim em mantra espiritual, tão emblemático como o "Play it again, Sam" que Ingrid Bergman (nunca) disse em "Casablanca".

Para não falar de prazeres menores, ou maiores, como Charles Bronson em "Desejo de Matar". Que será feito de Bronson? Divago. Recordo apenas uma seqüência de um dos filmes da série: Bronson, caminhando lentamente nas ruas do bairro, com câmera fotográfica sobre o ombro e tomando sorvete em pose turística. Subitamente, o bandido entra em cena, pega a câmera de Bronson e foge como um galgo de competição.

Bronson não corre atrás. Com a mesma displicência com que tomava o sorvete, joga-o fora, saca da arma (a inevitável Magnum 44), aponta sem pressa e atira no bandido, como quem atira em um animal. O bandido tomba. Bronson recupera a câmera (mas não o sorvete). Só quem nunca teve uma câmera roubada em plena rua é que não entende o prazer de assistir a essa cena.

Nada tenho contra vigilantes, repito. Mas também acrescento que os vigilantes têm de cumprir dois requisitos básicos.Em primeiro lugar, só podem existir na tela, não na vida real. Na vida real, continuo a preferir o Estado de Direito, em que existem leis, polícia e tribunais, e não loucos ou beneméritos que gostam de fazer justiça com as próprias mãos.

Mas mesmo os vigilantes das telas têm de cumprir um segundo requisito: não podem usar collants, máscaras, pinturas ou capas supostamente voadoras. Dizem-me que Batman, ou Super-Homem, é uma metáfora profunda sobre a nossa condição solitária e urbana; heróis derradeiros da pós-modernidade. Não comento. Exceto para dizer que morro de rir quando vejo um ator, supostamente adulto e racional, enfiado num pijama colorido e disposto a salvar a humanidade das mãos maléficas de um vilão tão ridículo e tão colorido quanto ele.

Sem falar dos fãs: homens feitos, alguns casados, que continuam a acreditar que um super-herói em pleno vôo compensa todas as ereções falhadas.

E foi assim que assisti ao último Batman, "O Cavaleiro das Trevas", dirigido por Christopher Nolan. Não vale a pena apresentar o filme: durante meses e meses e meses, uma máquina publicitária que não pára tentou convencer o mundo de que "O Cavaleiro das Trevas" era o melhor da série e, juro que ouvi, um dos maiores filmes de toda a história do cinema. De acordo com os promotores, Nolan trocara a fantasia sombria de Tim Burton e o espetáculo adocicado de Joel Schumacher por um realismo digno de Michael Mann: desde "Fogo contra Fogo" ninguém filmava assim uma cidade, cruamente e no osso.E os atores? Os atores seriam exemplos de um realismo ainda mais brutal, com destaque para o Coringa, papel que pode valer a Heath Ledger o Oscar póstumo. Alguns, mais ousados, ainda acrescentam que Ledger morreu de overdose precisamente por causa das exigências do papel.

Não tenciono polemizar com a sabedoria dos críticos, mas suspeito de que Heath Ledger morreu de overdose porque, depois de assistir ao resultado, não agüentou a vergonha. E quem o pode censurar?

Eu não, rapazes. E confesso que entrei na sala com boa vontade: "O Cavaleiro das Trevas" apresenta o herói (Batman) em luta final contra o mestre da anarquia (Coringa), um lunático que não deseja dinheiro nem poder como os vilões tradicionais, mas sim pura destruição. Na cabeça dos criadores, essa oposição simplória entre civilização/caos seria uma metáfora sobre o mundo pós-11 de Setembro: um mundo em que o terrorismo niilista não deseja um objetivo político preciso, mas simplesmente mergulhar o Ocidente num clima de paranóia destrutivo e autodestrutivo.

Infelizmente para os criadores, a narrativa não é apenas infantil em sua pretensão política e filosófica; é incongruente quando Batman ou Coringa entram no enquadramento. Razão simples: se a fantasia já é difícil de engolir como fantasia, imaginem apresentá-la em tom "realista" e até "documental".

Confrontado com Batman e Coringa, nenhum adulto equilibrado vê um super-herói e um super- vilão. Vê, simplesmente, dois dementes em pijamas que fugiram do asilo da cidade.

(João Pereira Coutinho - Folha de São Paulo)

Thales Azevedo.

Um comentário:

Victor Cruzeiro disse...

Bom... Antes de mais nada eu gostaria de me retirar do meu posto de nerd, de "homem feito que continua a acreditar que super-heróis em pleno vôo compensa todas as ereções falhadas", para expressar a minha maravilhosa opinião de INDIGNADO!!!

Eu coloquei em maíusculas para enfatizar, quero deixar bem claro. Não estou gritando. Para falar a verdade, nem fiquei bravo... Eu já me acostumei com as opiniões levianas dos grandes colunistas dos grandes jornais...

O que eu quero expressar é só o fato de que por que é que diabos esse cara que comparar o cinema com essas teorias hobsbawnianas-marxistas de "sociedade pós-moderna"???

Se o cinema fosse só baseado na realidade, pra nos mostrar como a vida é dura e o mundo é cruel (OH!!!), a gente viveria de dramas água com açúcar, a Meg Ryan seria a maior atriz de Hollywood, os grandes diretores não existiriam e o cinema nacional seria referência mundial.

(É claro que haveriam coisas boas, como por exemplo, o Joel Schumacher não iria ser o que é, e nós seríamos poupados de Batman & Robin com a Arnold Schwazenegger)

O fim dos tempos vai começar quando a gente tiver que parar de se deliciar com a magia de uma cidade caótica como Gotham City e se concentrar na magia maravilhosa do mundo real...

A existência do Coringa não tem nada a ver com o 11 de setembro, pelo menos ao meu ver... Mas a existência do Coringa aliada à existência do Batman (e principalmente do Christian Bale no Batman), dá o toque primoroso desse filme.

A decisão do Batman, atormentado pela sua loucura de ser REALMENTE um louco num pijama correndo pelas ruas à noite, de ser diferente dos outros loucos que correm pela cidade com maquiagens e sacos na cabeça, é o que faz esse filme ser o que é. O melhor de qualquer momento que se possa imaginar, nesse contexto é claro.

O Cavaleiro das Trevas é a resposta do cinema à loucura. A loucura-insana-deformada (e todos os outros adjetivos que vocês quiserem colocar) do Coringa não é uma representação do mal da sociedade ocidental pós 11 de setembro. Nem é a "essência do mal", como um discípulo de Freud diria. Não há nada que a psicanálise explique, ou que a ciência política e afins explique. O Coringa é um ser doentio e deformado. E isso faz o filme.

Em segundo lugar, Christian Bale, que tem meio que um toque de Midas para personagens bizarros e doentios, como O Maquinista. Christian Bale consegue fazer uma transição fantástica entre o galã playboy bonitão Bruce Wayne e o louco Batman, a dupla personalidade que ele interpreta tão primorosamente modificando a voz e a expressão facial, em um semblante sério por trás da máscara de borracha, enquanto que Bruce Wayne é todo sorrisos para Rachel e para o também super legal Aaron Eckhart, que eu nem vou entrar no mérito por causa do espaço nesse post.

Na cena final, quando Batman ESCOLHE não matar o Coringa (e não repetir o final do Batman do Tim Burton), ele se livra da existência de fanático com roupa colorida. Ele escolhe ser apenas um louco que sabe o que é certo. O que nenhum outro louco da cidade tinha decidido ainda. Ele se diferencia dos outros e, é exatamente por isso que ele se torna o Cavaleiro das Trevas, o "Paladino da Justiça" que, como o (agora) Comissário Gordon diz, é quem pode aguentar. Aguentar salvar a vida das pessoas e ser perseguido por elas de volta. Com foices e armas com mira laser.

"Ou se morre como herói ou se vive o suficiente para ser o vilão". Acho que é essa a frase tema do final do filme. E é isso que Batman faz. Ele faz os dois. Ao mesmo tempo.

Isso não vale o filme???

E outra, quem é que não gosta do Coringa dizendo "WHY SO SERIOUS???"

É, é isso...