terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Meu cachorro e o papa

Um cachorro não tem muitos privilégios, mas um deles consiste no seguinte: em seu caso, a eutanásia não é proibida por lei. A frase é de Milan Kundera, no final do romance A Insustentável Leveza do Ser. O cachorro do protagonista sofre de câncer. Arrasta uma pata. Fica jogado num canto. Geme de dor. Até o dia em que o protagonista o sacrifica. Na semana passada, aconteceu a mesma coisa comigo. Meu cachorro estava com câncer. Doente terminal. Segundo o veterinário, restava-lhe, no máximo, um mês de vida. Quando começou a vomitar, a arrastar a pata e a gemer de dor, decidimos sacrificá-lo. Um dia antes da data marcada ele morreu por conta própria. Foi um alívio não ter de matá-lo. Mas também teria sido um alívio matá-lo, poupando-o de um sofrimento inútil. Seu nome era "Tatu". Agora eu ando pela cidade e desato a chorar toda vez que passo por uma de suas ruas preferidas.

A eutanásia é um desses assuntos de competência exclusivamente civil a respeito do qual a Igreja Católica se sente no direito de interferir. Não é o único. Tem também o divórcio, o aborto, as drogas leves, a fecundação artificial, a pena de morte. [...] Para o resto de nós, a palavra do papa pode ter um grande peso moral, mas só vale dentro da Igreja, servindo para guiar o comportamento individual de seus fiéis. [...] Quanto mais a política se desmoraliza, mais a Igreja ocupa espaços que não lhe competem. Não digo que vamos virar um Afeganistão. Mas, se a Igreja pudesse proibir contraceptivos, censurar a TV, cercear pesquisas científicas e controlar a maneira como nos vestimos, certamente o faria. Assim como faz de tudo para impedir a eutanásia. Eu gostaria de decidir como vou morrer. Gostaria de ter os mesmos direitos do meu cachorro. Um beijo no focinho do "Tatu".


(Diogo Mainardi - 06/09/2000)

Thales Azevedo.

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