domingo, 1 de fevereiro de 2009

O verdadeiro Benjamin Button

[...] A história do conto, tal como a história do filme, é conhecida: Benjamin nasce velho e morre bebê. O tempo anda ao contrário para ele. Mas as semelhanças terminam aqui: o conto de Fitzgerald, ao contrário do filme de David Fincher, é essencialmente um prodígio de humor sem qualquer pretensão filosófica ou sentimental.

Esse humor só é possível porque o Benjamin Button de Fitzgerald não manifesta qualquer dissonância entre o corpo e a mente. No conto, Benjamin nasce fisicamente velho mas também nasce com os hábitos e os conhecimentos de um velho. Ele tem rugas, barba branca, ossos minados pelo reumatismo. Mesmo no berço, ele fala com propriedade, fuma charuto e gosta de ler a "Encyclopaedia Britannica". E se o pai se horroriza com a primeira visão do filho, jamais pensa em abandoná-lo.

Pelo contrário: a família aceita a aberração e as visitas até dizem que ele é a cara chapada, não do pai mas do avô. O rapaz cresce, ou seja, rejuvenesce. Aos 18, embora tenha cara e cabeça de 58, conhece donzela compatível para casar. Casam. Mas Benjamin rapidamente descobre que fez mau negócio: se ele fica cada vez mais jovem, e mais enérgico, e até mais irresponsável, a mulher vai ficando mais velha, e mais cansada, e mais quadrada. As discussão entre ambos são hilárias.

Benjamin termina seus dias com corpo e cabeça de criança, a brincar com o neto, como se fossem dois colegas de infantário.

O diretor David Fincher não respeitou o conto de Fitzgerald e preferiu uma história grandiloquente sobre a implacável fugacidade do tempo. Ou, se preferirem, sobre a crueldade do destino de Benjamin Button, que poderá viver a sua história de amor na breve intersecção da sua meia-idade com a meia-idade da sua amada, até ao momento em que ambos têm que se afastar: ele, a caminho da infância; ela, a caminho da velhice.

O resultado é tépido, arrastado, sem propósito ou fulgor, com dois atores manifestamente à deriva.

Uma pena. Tivesse Fincher e os seus roteiristas respeitado o material original, teríamos um filme poderosamente onírico, divertido e até politicamente incorreto, capaz de desafiar as convenções da idade e das relações entre as gerações e os sexos.

E se David Fincher, apesar de tudo, desejasse ainda uma mensagem final, ela também é sugerida no conto de Fitzgerald quando Benjamin Button morre como um recém-nascido, física e mentalmente falando.

Porque talvez essa seja a lição maior: mais triste do que deixar o nosso mundo de experiências e memórias quando a velhice se instala, é morrer vazio, como um bebê, sem levar desse mundo experiência ou memória alguma.

(João Pereira Coutinho)

Thales Azevedo.

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