segunda-feira, 18 de maio de 2009

Anticristo

Terror bíblico de Lars Von Trier recebe gargalhadas, aplausos e vaias em Cannes

Diretor de filmes tão densos quanto polêmicos - "Dançando no Escuro", "Dogville" -, o dinamarquês Lars Von Trier conseguiu mais uma vez acender a fogueira da polêmica em Cannes.

Seu novo filme, o terror "Anticristo", recebeu risos e até gargalhadas durante a sessão de imprensa. Ao final, a plateia se dividiu entre vaias e aplausos - a maioria vaiava.

"Anticristo" é o tipo de filme que os críticos vão amar odiar, e outros vão amar sem entender muito por quê. Será avaliado como péssimo por uns e uma obra-prima por outros. Ao final da sessão, quase nenhum jornalista aceitava dar entrevista para os canais de TV e internet que cobrem o festival, porque ninguém conseguia formar uma opinião.

Von Trier realizou o filme após uma grave depressão que viveu há cerca de dois anos, e que o fez interromper a escritura do roteiro. No material de divulgação, ele afirma que boa parte das imagens de "Anticristo" veio dos seus sonhos, que a trama tem apenas o mínimo necessário para mostrar essas imagens, que não pede desculpas pelo filme, e que o considera o mais importante de sua carreira.

O máximo que se pode dizer sem estragar a surpresa: devastados com a perda do filho, um casal (Willem Defoe e Charlotte Gainsbourg) se refugia em uma casa isolada no meio de uma floresta. Ela sofre e chora muito com a perda, ele cuida dela como se fosse um terapeuta. Von Trier reveste todo o seu filme de tons bíblicos, como se Adão e Eva voltassem a uma espécie de inferno final, ou inferno original - a floresta, não por acaso, se chama Éden. Desde o início, o conceito do sexo é ligado ao da morte, em algumas imagens poderosas e outras apenas chocantes.

O filme vai dividir opiniões, mas uma coisa é certa: o prólogo em preto-e-branco, que conta em poucos planos a história trágica do casal, tem as mais belas imagens já feitas por Von Trier, ao som de uma sinfonia de Handel. A parte da floresta, dividida em capítulos, não chega a ser assustadora, mas contém cenas de impacto envolvendo violência com genitália, muito sangue e um desespero crescente dos personagens.

Nem Von Trier deve entender os sonhos que teve - e o cinema não precisa mesmo passar pela compreensão. Mas "Anticristo" ainda vai render muito debate nos próximos meses. O filme já tem estreia garantida no Brasil, pela distribuidora Califórnia, mas a data ainda não foi definida.

Irritado, Von Trier não comenta cenas de "Anticristo" e diz que é "o melhor diretor do mundo"

A polêmica em torno do terror "Anticristo", exibido para a imprensa na noite de domingo (18), continuou hoje na entrevista coletiva sobre o filme, que disputa a Palma de Ouro no 62º Festival de Cannes. Logo na primeira pergunta, um jornalista britânico clamou, irritado: "Acho que o senhor nos deve no mínimo uma explicação sobre esse filme. E por favor, não me venha com uma resposta lacônica".Visivelmente nervoso com o ataque, já com as mãos tremendo, Von Trier respondeu, em voz baixa e hesitante: "Não tenho que pedir desculpas por meus filmes. Não devo uma explicação. Neste filme, e nesta entrevista coletiva, vocês são meus convidados, e não o contrário".

Como previu o jornalista britânico, Von Trier foi lacônico e não quis comentar as cenas chocantes do filme ou determinadas escolhas feitas nas cenas mais violentas, que envolvem mutilação de genitália. E, mais uma vez, fez seu marketing pessoal sem modéstia. "Só posso dizer que nunca tenho escolha ao criar um filme. É a mão de Deus. Este filme foi um sonho transcrito para o cinema. E eu sou o melhor diretor do mundo".

O diretor de "Dogville" só se mostrou disposto a falar sobre o cineasta russo Andrei Tarkovski (1932-86), a quem dedica o filme. "Tarkovski sim é um verdadeiro deus. Sua relação com o mundo era profundamente religiosa. Eu também me sinto assim". E também destilou ironia ao comentar sua relação com os espectadores e jornalistas. "Não acredito no esforço de conquistar público para meus filmes. E não me incomodo com os ataques de vocês. Sempre fui atacado pela imprensa, e gosto disso".

O ator Willem Defoe, que interpreta o marido terapeuta do filme, que controla a mulher e mais tarde é subjugado por ela, comentou que Von Trier quase não conversa com os atores e não permite nenhum tipo de preparação ou ensaio antes das cenas. "O resultado é que, depois de alguns dias, você fica muito mais flexível e aberto aos impulsos e instintos".

A inglesa Charlotte Gainsbourg, filha de Jane Birkin e Serge Gainsbourg, que interpreta a mulher do filme, protagonista das piores cenas de violência, seguiu Von Trier e também falou pouco. "O mais difícil não foram as cenas de sexo ou nudez, mas aquelas que envolviam muita emoção e sofrimento. Foi uma experiência agradável, mas de uma maneira estranha".

Thiago Stivaletti
Colaboração para o UOL, de Cannes

Alexandre Rios.

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