domingo, 10 de maio de 2009

O novo Tarantino: "um bando de caras em um filme de missão"


Por Kristin Hohenadel

Tradução: Eloise De Vylder


Paris - "Este não é o filme de 2ª Guerra Mundial do seu pai", disse Quentin Tarantino sorrindo, parado em uma esquina de Paris que foi varrida da sinalização do século 21 para se transformar em set de filmagens de "Inglourious Basterds". O novo filme do diretor é sobre um bando de soldados judeu-americanos em uma vingança de escalpelar contra os nazistas.

Apesar de ser praticamente todo rodado no estúdio Babelsberg em Potsdam, Alemanha, o subtítulo do filme é "Once Upon a Time in Nazi-Occupied France" ("era uma vez na França ocupada pelos nazistas"). Então, durante uma estadia de três dias em Paris em dezembro, Tarantino e sua equipe bicontinental praticamente tomaram um bistrô de 1904 com pintura descascada, vitrais art déco e uma parede de janelas com vista para o cruzamento facilmente reconhecido das ruas parisienses no "18º arrondissement".

"Tínhamos que fazer uma cena para dizer ao público que estamos na França", disse Tarantino. "É essa."

"Inglourious Basterds", que deve estrear no Festival de Cinema de Cannes em 20 de maio, é o primeiro filme de Tarantino desde "À Prova de Morte", metade de "Grindhouse", filme duplo e fracasso de bilheteria que ele dirigiu com Robert Rodriguez e que foi seu primeiro filme solo desde "Kill Bill Vol. 2" em 2004. Tarantino chama "Inglourious Basterds" de "um bando de caras em um filme de missão". A julgar pelo roteiro, ele deve ter os diálogos rápidos, humor irreverente e violência estilizada típicos do trabalho do diretor.

"Você tem que fazer um filme sobre alguma coisa, e eu sou um cara de cinema, então penso em termos de gêneros cinematográficos", disse. "Então você tem uma boa idéia, e a leva adiante, e normalmente no momento em que você termina, ela pode não se parecer em nada com a sua primeira inspiração. É simplesmente a faísca que começa o fogo."

A faísca que levou a "Inglourious Basterds", com Brad Pitt, Diane Kruger, Mike Myers, Eli Roth e um grande elenco internacional, surgiu na época em que Tarantino trabalhava como funcionário de uma locadora em Manhattan Beach, Califórnia. (A inspiração para "Cães de Aluguel", "Jackie Brown" e outros filmes de Tarantino também vem da mesma época.)

"Os caras da Video Archives diziam assim, 'Quentin, talvez um dia você faça o seu 'Inglourious Bastards'", disse Tarantino, referindo-se ao filme de Enzo G. Castellari ("Assalto ao Trem Blindado", em português), de 1978 (com a grafia convencional da palavra "bastards")."Mas eles não tinham nem mesmo visto o filme. Tudo bem, era simplesmente um bom título. Eu amo o filme, não me entenda mal, mas não se trata de uma refilmagem", disse o diretor sobre sua versão.

"Ele estará na categoria original do Oscar", acrescentou com otimismo.

Lawrence Bender, que produziu todos exceto um filme de Tarantino, disse que ficou surpreso quando o diretor ligou para ele no verão passado para avisar que havia terminado a longa gestação do roteiro de "Basterds", e que queria rodar o filme a tempo para Cannes. Tarantino ganhou o principal prêmio do festival, a Palma de Ouro, em 1994 por "Pulp Fiction".

"Ele leu todo o tipo de coisa para mim ao longo dos anos", disse Bender, "mas sempre achei que era algo que ele ia escrever e nunca filmar". (Tarantino é conhecido por dar muitas voltas entre um filme e outro. Ele já dirigiu episódios de séries de televisão, incluindo "CSI", atuou e produziu filmes de outras pessoas, e já foi jurado convidado e "mentor" de "American Idol".)

Um período de seis meses de pesquisa para "Basterds", há sete anos, "paralisou minha escrita por algum tempo", disse Tarantino. Ele pensou em fazer um documentário sobre a 2ª Guerra ou dar aulas em uma faculdade, e até roteirizou uma minissérie de 12 horas. Então, em janeiro de 2008, ele decidiu "tentar mais uma vez para ver se conseguia transformar isso em filme", disse. "Eu não estava lá para ensinar história. Você pode ligar o History Channel - que bem poderia ser chamado de Hitler Channel. Eu só queria contar minha história e ter a mesma liberdade que teria ao contar qualquer história. Quero que o processo de escrever seja tão envolvente que eu precise me perguntar se preciso mesmo fazer o filme".

O roteiro não editado de Tarantino circulou pela internet poucos dias depois de ele ter terminado. "Aquilo foi muito pessoal, com erros de digitação e tudo mais", disse ele, mencionando que o datilografou com apenas um dedo na mesma máquina de escrever Smith Corona de 1987 que usou para fazer "Cães de Aluguel" e "Pulp Fiction". "Eu tinha a intenção de revisar quando o publicássemos."

Não que ele vá mudar o título. "'Basterds' deve ser escrito com 'e' mesmo", diz ele. "A palavra soa como se tivesse um 'e'". E gritou: "Basterds! Basterds!" com algo que parecia um sotaque de Boston: muito mais "BAS-tids" do que "BAS-terds". (Quanto à grafia de "Inglourious", Tarantino disse: "Não dá para explicar essas coisas. É um lance de cinema".)

Um homem com um rádio amador cutucou o braço de Tarantino. "Desculpe, tenho que gravar a prostituta do vaudeville", disse ele, e foi para dentro do bistrô para rodar uma cena em que Shosanna (a atriz francesa Melanie Laurent), uma jovem judia escondida que administra um cinema em Paris, senta-se à mesa de um astro de matinês e soldado nazista disfarçado (o ator alemão Daniel Bruehl) que tenta conquistá-la.

Tarantino observava os atores como se fosse o dono do estabelecimento espionando o casal no salão, mal olhando para o monitor ao seu lado. "Eu olho pela câmera para estabelecer a cena", disse ele entre as tomadas, "mas depois prefiro assistir à encenação e ouvi-la. Do contrário, é o monitor que dirige o filme".

Assim como outros 70% de "Inglourious Basterds", esta cena foi feita em francês e alemão, que é apenas mais uma das razões pelas quais não se trata daquele filme de 2ª Guerra do seu pai. "Quando você vê alemães falando inglês com sotaque alemão ou parecendo atores britânicos, parece muito estranho e antigo", disse Tarantino.

"Essa é uma coisa que não quero que aconteça nesse filme. Se Spielberg ainda não tivesse feito 'A Lista de Schindler', costumo brincar que, depois do nosso filme, ele ficaria constrangido se não fizesse o dele em alemão."

(Executivos da Weinstein Co. disseram que a grande utilização de legendas não lhes deu folga. "Tarantino é uma linguagem universal", disse Tom Ortenberg, presidente para obras cinematográficas.)

Bruehl disse que foi a abordagem dessacralizada do diretor em relação à dolorosa história alemã que o atraiu para o papel. "Estou curioso para ver como o filme será recebido na Alemanha", disse Bruehl, 30, que coloca o filme na mesma tradição de "To Be or Not to Be" (1942), de Ernst Lubitsch, e de "O Grande Ditador" (1940), de Charlie Chaplin. "Se uma comédia é inteligente e tem profundidade, é uma forma bastante legítima de falar sobre o fascismo na Alemanha nazista, que também foi um grande espetáculo - e bem ridículo, pensando bem."

O roteiro está repleto de referências e piadas sobre cinema, e intrigas que envolvem atores e estreias de filmes. O ministro de propaganda de Hitler, Joseph Goebbles, é retratado como um típico diretor de estúdio. ("As pessoas escrevem sobre o horror dos filmes antissemitas", diz Tarantino, "mas a maioria dos 800 filmes que ele fez foi de comédias e musicais".) E pode-se dizer, sem querer estragar a penúltima cena que dá uma reviravolta na história, que o cinema salva o mundo.

O designer de produção David Wasco, que participou de todos menos um filme de Tarantino, disse que apesar de eles terem trabalhado para reproduzir o período usando fotos e documentos originais, "praticamente 90% é baseado em referências cinematográficas". "É um mundo de época de Tarantino", acrescentou. "Foi isso que o ajudamos a fazer aqui."

Tarantino disse: "Toda essa coisa do cinema acontece mais ou menos naturalmente. Basicamente é nisso que eu me interesso."

Mais tarde naquele dia, garrafas de champanhe apareceram na calçada, e Tarantino pediu um brinde em homenagem ao 800º rolo de filme. Ele circulou, brindando com copos de plástico enquanto anoitecia na cidade, com uma palavra e um sorriso para cada um.

Os Basterds [os bastardos] - soldados judeus do filme, apelidados assim pelos nazistas - não foram à gravação em Paris, mas sua presença podia ser sentida no corte de cabelo "à la basterd", já crescido, que Tarantino exibia. "Os Basterds não podem se dar ao luxo de ser apenas soldados", diz. "Eles têm o dever de ser guerreiros, porque estão lutando contra um inimigo que tenta varrê-los da face da terra."

Tarantino, que nasceu no Tennessee, disse que suas fantasias de vingança estão mais ligadas à Ku Klux Klan. "Mas é tudo a mesma coisa", disse. "Uma vez que os Basterds passarem pela a Europa, eles poderão ir para ao sul dos EUA e fazer o mesmo com os Kluxers nos anos 50. Essa é outra história a ser contada."

Para não falar de um subroteiro engavetado sobre soldados afro-americanos presos atrás das linhas de frente inimigas. "Tenho um roteiro já pela metade sobre a história anterior a essa, pronto para ser filmado, se esse filme for um sucesso", disse Tarantino.


Alexandre Rios.

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