terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Rede de Intrigas


Rede de Intrigas (1976) é, talvez, o melhor filme já feito sobre a mídia, mais particularmente a televisão. De forma extremamente ácida e irônica, Sidney Lumet – este grande diretor norte-americano – nos mostra os artificialismos a que milhões de pessoas estão submetidas todos os dias e que são por eles educados. Os artificialismos da televisão, muito mais presente nestas gerações do que qualquer outra forma de expressão humana. Como essa educação transformou e continua transformando os cidadãos? Teríamos nós – como diz um dos personagens do filme – nos transformados em humanóides?

No filme, presenciamos os interesses de bastidores dos canais e concluímos que tudo, tudo, não passa de puro interesse comercial. Existem boas intenções na televisão? Sim, talvez. Mas os lucros vêm em primeiro lugar porque o que está por trás da nossa porcaria de aparelho televisivo é uma grande empresa, formada por outras empresinhas, e todos aquelas pessoas que apresentam os programas e jornais são meros fantoches de interesses. Duvida?

Vamos para a sinopse.
Howard Beale (Peter Finch) é um apresentador decadente de um jornal igualmente decadente. Ele já foi um ícone da televisão, um grande homem das notícias e que, acima de tudo, dava audiência. Até que sua vida começou a desmoronar. O índice de audiência caiu, sua esposa faleceu, deixando-o sozinha com sua filha para cuidar. A depressão chegou até ele e depois veio a demissão. Dão-lhe duas semanas a mais no ar. O que faz Howard Bale? Anuncia em pleno programa que irá se suicidar no ar em uma semana. Inesperadamente, a curiosidade do público cresce. O jornal volta a ter audiência, com um grande público a acompanhar o apresentador até a hora da sua morte. A emissora começa a receber lucros e não mais prejuízos. Howard Bale passa a protestar. Vira um pregador da “voz americana”, a voz de revolta com tudo que está acontecendo, berrando para que as pessoas repitam "Eu enlouqueci e não vou mais agüentar isso!". E as pessoas repetem. Leiam o discurso abaixo, quando o mundo estava em plena Guerra Fria. Não se encaixa quase que perfeitamente com o contexto atual?

Não preciso lhes dizer que a coisa está feia. Todos sabem que está feia. É uma nova "depressão". Todo mundo desempregado ou com medo de perder o emprego. Um dólar compra um quarto de dólar. Os bancos estão quebrando. Balconistas guardam armas em baixo das registradoras. Punks vandalizando. Ninguém em lugar nenhum parece saber o que fazer e não há fim para isso. Sabemos que o ar é insuficiente para respirarmos e a comida para nos alimentar. Nos sentamos assistindo à nossa TV enquanto o apresentador nos diz que hoje tivemos 15 homicídios e 63 crimes violentos... Como se esse fosse o jeito que as coisas deveriam ser! Nós sabemos que as coisas estão ruins. Pior que ruim. Elas estão enlouquecendo. Tudo em todo lugar está ficando maluco. Então nós não saímos mais de casa. Sentamos-nos dentro de nossas casas. E lentamente o mundo em que vivemos vai ficando menor. Tudo o que dizemos é "Por favor, por favor, ao menos em nossas casas deixem-nos em paz. Deixe-me ter minha tostadeira, minha TV e minha calota cromada. Não direi nada. Só deixe-me em paz." Pois eu não vou deixá-los em paz. Eu quero que vocês enlouqueçam! Eu não quero que vocês protestem ou façam um tumulto. Não escrevam para seu congressista. Porque não sei o que dizer pra vocês escreverem. Eu não sei o que fazer sobre a "depressão", a inflação, os russos e o crime nas ruas. Tudo que eu sei é que antes de tudo vocês têm que enlouquecer! Vocês têm que dizer: "Eu sou um ser humano, diabos! Minha vida tem valor!"

Os bastidores fervem. As corporações começam a agir. O programa de Howard Bale passa a ser o principal da emissora, um dos mais vistos em todo o país. Com isso vem a grana, todos querem a maldita grana. O conteúdo do programa fica em segundo plano, claro. Como faz uma das personagens, a gananciosa
Diana Christensen (Faye Dunaway), que contrata um grupo terrorista de extrema esquerda para filmar seus atentados exibidos no programa "Hora do Mao Tse-tung". Aliás, Diana é a própria humanóide, completamente distante do mundo real e da humanidade. E isso fica claro quando passa a se relacionar com Max Schumacher (William Holden), um experiente jornalista - que teve a cabeça rolada quando os interesses da emissora não se encaixavam com sua conduta mais idealista. Max é, sem dúvidas, o último contato de Diana com a realidade.

Aos poucos os interesses corporativos começam a ser ameaçados à medida que Howard Beale passa a, digamos, falar demais. Ele denuncia os podres das negociações da emissora em que trabalha, como os acordos com os árabes que compraram parte da emissora. Howard Beale, portanto, torna-se um perigo. Um perigo popular. Por um lado tirar ele da programação da emissora seria tirar picos de audiência, deixá-lo, porém, pode desmoralizar toda uma empresa. O que fazer? Não irei adiantar mais para não entregar a história.

O filme é, na minha opinião, uma bela mistura de "Adorável Vagabundo" (Frank Capra) - com a idéia inicial do protagonista anunciar sua própria morte, tornando-se um profeta dos valores americanos -, "Montanha dos Sete Abutres" (Billy Wilder), com forte crítica à mídia e seus interesses, muitas vezes superiores à importância da vida humana, além de pitadas filosóficas de filmes de Woody Allen, como "Crimes e Pecados" - principalmente retratando as incertezas de personagens abalados e confusos pela velhice. Claro, tudo isso não faria uma grande filme não fosse a competência de Sidney Lumet. Vale a pena lembrar que “Rede de Intrigas” foi um dos filmes mais bem-sucedidos de 1976, arrematando 4 Oscar: Melhor ator (
Peter Finch – que recebeu o prêmio postumamente), Melhor Atriz (Faye Dunaway), Melhor Atriz Coadjuvante (Beatrice Straight) e Melhor Roteiro Original. O filme ainda concorreu em categorias importantes como Melhor Filme, Direção, Ator Coadjuvante, Montagem e Fotografia. Mais um filmaço de Sidney Lumet, obrigatório.

... Não existem nações. Não existem pessoas. Não existem russos. Não existem árabes. Não existe terceiro mundo. Não existe oeste. Só há um sistema holístico de sistemas! Um vasto e imanente, interligado, interagente, multi-variante, multi-nacionaldomínio de dólares! Dólares petrolíferos, eletro-dólares, multi-dólares. Moeda alemã, moeda japonesa, moeda russa, moeda britânica e moeda dos judeus! É o sistema internacional da moeda corrente que determina a totalidade de vida neste planeta. Esta é a ordem natural das coisas hoje em dia. Esta é a estrutura atômica, sub-atômica e galáctica das coisas... Não há América. Não há democracia. Só há IBM, ITT e AT&T... E Du Pont, Dow, Union Carbide e Exxon. Essas são as nações do mundo de hoje.

Sobre o que você acha que os russos falam em seus conselhos de Estado? Karl Marx? Eles saem de suas programações lineares, decisões em cima de teorias estáticas, soluções minimalistas e computam as probabilidades do custo-benefício de suas transações e investimentos, como nós. Nós não estamos mais vivendo num mundo de nações e ideologias. O mundo é um colegiado de corporações inexoravelmente determinado pelas leis imutáveis dos negócios. O mundo é um negócio.

Alexandre Rios.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gente comentando de filmes, sejam eles bons ou ruins, é o que não falta. A sacada é como você escreve. ótima crítica.

Anônimo disse...

Muito obrigado, Dienis!