sábado, 24 de outubro de 2009

Na Mira da Morte

"Todos os filmes bons já foram feitos". Esta famosa frase de autoria de Peter Bogdanovich, proferida pelo próprio em Targets/Na Mira da Morte, trai o próprio autor. Isto porque - além do equívoco histórico - o filme de estréia do diretor americano é uma pérola da década de 60 e um dos filmes mais interessantes que eu já tive a oportunidade de ver.

Feito com um baixíssimo orçamento (130 mil dólares) e aproveitando-se de uma cláusula contratural do ator Boris Karloff, lenda do terror cinematográfico que ainda devia algumas poucas semanas de trabalho, o produtor Roger Corman decidiu aproveitar os derradeiros dias de atuação do astro com mais um filme de terror. Escalou para a tarefa seu assistente e jovem crítico de cinema Bodnadovich, que com apenas 29 anos, realizou uma obra o frescor digno de grandes cineastas iniciantes.

A história, inspirada em um fato ocorrido no Texas em 1966, se confunde com a realidade. Boris Karloff interpreta Boris Karloff. Os dois em despedida de Hollywood. Como afirma o ator/personagem para o diretor/ator Peter Bognadovich, também se auto-interpretando como o "diretor tampão" do momento: "Sammy, você é um rapaz gentil, mas não pode entender o que é estar na minha pele. Sou uma antigüidade. Sou um anacronismo. Sammy, olhe à sua volta: o mundo pertence aos jovens."

E realmente a década de 60 foi a década dos jovens. Os movimentos culturais, a música, os protestos e a política foram acompanhados como nunca pela juventude da época. Foi um turbilhão, que arrastou toda uma geração a velocidade e intensidade jamais vista até então. Como isso interferiu em cada um? No caso de Bobby Thompson (Tim O´Kelly), uma revolta abrupta e definitiva contra sua vida organizadinha e pacata o transformou num verdadeiro psicopata. O dito cujo assassina a namorada e a mãe e foge de casa atrás de outras vítimas com algumas armas e muita munição. Em determinado momento sobe num tanque de gasolina gigantesco para atirar em todos que atravessavam a estrada, realizando uma verdadeira chacina com uma frieza angustiante.

Já perseguido pela polícia, Bobby Thompson consegue escapar e ruma em direção a um teatro drive-in da cidade, onde seria exibido o último filme de Karloff e cuja presença estava marcada. Uma sessão de filme de terror, muitas pessoas e pouca luminosidade: o contexto ideal para o ato final malévolo do atirador. E Peter Bognadovich, esbajando muito talento, soube aproveitar o roteiro redondo - com colaboração de Samuel Fuller - com um clímax de tirar o folêgo e com alguns momentos geniais que me fizeram lembrar Janela Indiscreta do Hitchcock.

Targets/Na Mira da Morte, apesar de não ter tido sucesso comercial, foi muito elogiado pela crítica especializada. Até mesmo Boris Karloff, que devia cumprir 20 minutos de cenas, resolveu abrir mão de um cachê extra e filmou mais 10 minutos. Uma despedida digna, deve ter pensado. Com razão. Pena que o filme tenha sido mal distribuído pela produtora, que temia uma má repercussão. Afinal, a década de 60, apesar de ter sido um verdadeiro divisor de águas em aspectos sociais, políticos e culturais, também foi a década em que Martin Luther King e John F. Kennedy foram assassinados por atiradores, cujas miras deviam ser semelhantes às exibidas nesta pequena obra-prima de Peter Bognadovich.

Alexandre Rios.

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