quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Profissão: Repórter

Por Guilherme Vasconcelos.

Profissão:Repórter inicia-se na África e gira em torno de David Locke, um repórter de uma emissora inglesa encarregado de produzir um documentário sobre a guerrilha do Tchad. Insatisfeito, cansado e frustrado com a mediocridade de sua vida e de sua profissão – um mero observador passivo dos acontecimentos, um homem sempre testemunha e nunca protagonista e com a obrigação utópica de relatar tudo o que presencia com a máxima objetividade – Locke aproveita a morte de seu vizinho de hotel para trocar de identidade e tentar viver uma nova vida, mais livre e excitante do que a anterior.

David Locke, um trocadilho com a palavra lock em inglês para definir “um homem habituado a controlar suas próprias emoções, uma pessoa dificilmente impressionável”, é o repórter que deseja sair da normalidade, que quer participar dos acontecimentos do mundo e não apenas registrá-los, relatá-los e, em um curto espaço de tempo, jogá-los fora (a efemeridade inerente à prática jornalística). Segundo as palavras do próprio diretor do filme, Michelangelo Antonioni, “David Locke, o repórter que muda de identidade, nasceu do desejo de sair para o deserto, para a selva, para onde for possível imaginar uma existência livre e pessoal”.

Profissão: Repórter termina com um longo plano-sequência que dura aproximadamente dez minutos e exigiu onze dias e muito trabalho para ficar pronto. O plano começa quando Locke (Jack Nicholson), agora sob a identidade de Robertson, e sua namorada (Maria Schneider) estão em um quarto de hotel conversando. O quarto, cuja janela é protegida por espessas barras de ferro e dá para uma praça do lado de fora, localiza-se no andar térreo do hotel. Locke fica sozinho, deita-se, acende um cigarro e, lentamente – principalmente para os padrões atuais do cinema hollywoodiano, que incorporou em larga escala a rapidez abrupta da estética dos videoclipes – a câmera percorre o ambiente em direção à janela, atravessa as grades, observa o movimento da praça e do hotel do lado de fora e, por último, retorna à janela, onde se vê a entrada do dono do hotel e de policiais no quarto e logo se percebe que Locke está morto.

Essa triunfal seqüência derradeira tem seu sentido gerado a partir da não-fragmentação do tempo e do espaço e da articulação dos elementos da linguagem cinematográfica. A câmera que foge vagarosamente pela janela é a metáfora da vida do protagonista se esvaindo. Um protagonista que está na cena, mas que não interfere nela, que está no mundo, mas que apenas o observa sem agir. Imprescindível também para a produção de sentidos e para situar o espectador nessa sequência final é a utilização do som e dos ruídos. O som se torna informação essencial, é ele que faz o espectador imaginar o que acontece no quarto enquanto a câmera metaforiza a morte de Locke. É através da associação entre a movimentação apressada dentro e fora do hotel e os ruídos provenientes do quarto que se percebe o que ocorre fora do campo visual.

A segunda morte de Locke – ele já havia morrido na África quando se transformou em Robertson – se assemelha bastante com a fábula do cego que ele próprio havia contado pouco antes: logo depois de recuperar a visão, o cego se suicida diante da violência e da impossibilidade de compreender o mundo

Profissão: Repórter, caracterizado pelo ritmo lento, pelos longos planos e pela desdramatização narrativa – o que se vê aqui é, na verdade, uma anti-narrativa, uma vez que o filme não atinge um clímax propriamente dito e em nenhum momento suscita expectativa e ansiedade no espectador – é a história de um homem que nega a sua profissão e sua vida porque frustrado com a impossibilidade de agir diante dos problemas do mundo. O motivo que leva Locke à África – documentar a guerrilha do Tchad – é tão-somente um pano de fundo para discutir e desenvolver o personagem. Profissão: Repórter trata, sobretudo, da dificuldade de estar em um mundo opressor e de compreendê-lo e modificá-lo. Antonioni filma com excelência essa angústia humana.

Alexandre Rios.

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