terça-feira, 20 de outubro de 2009

Os desejos ocultos dos donos da terra

Por Gilson Caroni Filho

A nova operação da direita para viabilizar a instalação de uma CPI para investigar supostos repasses de recursos públicos a entidades vinculadas ao Movimento dos Sem Terra (MST) nada mais é que um embuste com objetivos nítidos: a criminalização dos movimentos sociais e, com um claro viés eleitoreiro, o desgaste do governo visando ao processo eleitoral de 2010.

O eixo central da ação da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e do deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), ex-presidente da UDR, é retroceder o processo democrático a níveis anteriores ao do governo petista. Com apoio da grande imprensa, o que se pretende é o estabelecimento de uma agenda que aceite a imposição dos que gritam mais forte e que por mais de 500 anos mandaram no país.

Um projeto de poder que abandone o país moderno, dos segmentos novos da cidade, do operariado urbano e rural, dos pequenos e médios proprietários das classes médias, dos empresários modernos e progressistas para abraçar uma opção pelo passado. No que ele tem de mais retrógado, no que ele garante a preservação de práticas clientelistas e oligárquicas.

A pesquisa do Ibope, encomendada pela CNA, “que constata a favelização dos assentamentos rurais do INCRA" não vai de encontro apenas aos dados do Censo Agropecuário de 2006 que demonstram que a agricultura familiar é mais produtiva do que a tradicional e em grande escala. Vai além. Vai contra todas as classes e frações que sabem que sua sobrevivência depende de um país igualitário, solidário, a ser construído por uma intervenção decidida na questão da terra. Uma estrutura social equânime é o inferno de Caiado e Kátia Abreu. Para eles, o paraíso é o Estado Patrimonial que, como no tempo do Império, funcione como repassador de terras e do dinheiro do setor público para o privado. É com essa restauração que sonham diariamente.

Sob os holofotes da CPI o que se quer manter é a luta contra a Reforma Agrária por parte de pecuaristas e dos que ganham com monoculturas extensas. Nos casos de desapropriações já decididas, apela-se, como sempre, para os amigos cartoriais, transferindo gado de uma fazenda para outra enquanto se pede revisão dos processos.

O "aggiornamento" da imprensa é peça fundamental dessa estratégia. Há mais de duas décadas, durante a eleição de Caiado para a presidência da UDR, o então vice-presidente da entidade, Altair Veloso, garantia que “os jornalistas da imprensa escrita são todos vermelhos. Os da televisão são todos homossexuais".

Hoje prevalece a afinidade de classe, e os "vermelhos" carregam nas tintas contra movimentos organizados, enquanto os "homossexuais" divulgam, no horário nobre de uma emissora paulista, "editoriais" contra Lula e o MST. O amadurecimento de pessoas e instituições é surpreendente. Revela pulsões que nunca ousaram dizer o nome.

Em entrevista para a Agência Ibase, o líder sindical José Francisco da Silva, ex-presidente da Contag, disse que “houve avanços com o governo Lula, justiça seja feita. Fernando Henrique investiu R$ 2,3 bilhões no Pronaf. Lula já alcançou R$ 13 bilhões no decorrer de seis anos. Foi um bom investimento, mas é bom que se diga que o agronegócio recebe quase R$ 70 bilhões do governo e é a agricultura familiar que abastece o país, que gera empregos." É uma distorção a ser corrigida.

Para Kátia e Caiado a correção aponta para outra direção: a da redução dramática da população rural, da formação de um contingente de semicidadãos entregues à própria sorte. Para eles, essa é a democracia possível. O padrão estético é coerente com a história dos antigos donos do poder.

Eldorado de Carajás é uma imagem a ser esquecida. Pés de laranja arrancados, um crime imperdoável.

Alexandre Rios.

2 comentários:

Lucas Caires disse...

A CPI pode ser vista como um complô de um bando de latifundiários que desapropriaram alguns milhares de famílias no interior dos estados da Bahia, Mato Grosso, Goiás e todo o resto. Contudo, deixemos de lado a argumentação: "pobre coitado" do desapropriado. Os “pobres coitados” nada têm a ver com a máfia existente numa esfera política acima deles. Tratemos dos líderes dos movimentos sociais que se gabam dessa posição para conseguir certos benefícios com políticos influentes.
O MST ainda é um movimento desorganizado por causa da sua imensidão. "Quer terra? Vai para o MST." Esse jargão poderia ser extinto se tivéssemos um investimento eficiente na agricultura familiar e um policiamento presente no campo. O governo atual realmente proporcionou uma melhora nesses investimentos, como foi dito. Mesmo assim, há relatos de transações econômicas, no mínimo duvidosas, entre determinados partidos e os líderes dos movimentos sociais. E por que não investigar essas transações? Não importa se o inquérito foi aberto por um latifundiário ou coisas do tipo. Se quiser investigá-los, basta abrir uma CPI dos latifundiários.
Você diz em criminalização dos movimentos sociais. Eu prefiro interpretar como justiça sendo aplicada. Da mesma forma que um latifundiário deve ser preso, líderes de movimentos sociais, que se aproveitam dessa posição, também devem desfrutar de um julgamento como réu.

Guilherme Vasconcelos disse...

O pessoal da Carta Maior faz o mesmo que a Veja: atua como partido político, só que da situação. Sempre recorrem a teorias conspiratórias para demonizar a "grande mídia", como se o governo Lula fosse perfeito e inatacável. E o pior: toda essa propaganda disfarçada de jornalismo crítico é financiada por anúncios estatais, ou seja, pelo dinheiro público.
O fato é: ler Carta Maior e seus congêneres não é muito diferente de ler Veja. Ambos distorcem - e muito - a realidade da maneira que lhes convém, se utilizam sempre de um maniqueísmo simplificador (governo Lula x Mídia ou Estado x Mercado) e quase nunca se esforçam para buscar o equilíbrio, a precisão e a verdade. Para esses dois tipos de "jornalismo", o militante de esquerda e o apaixonado de direita, o mundo é preto e branco, é isso ou aquilo e não isso e aquilo. O Jornalismo tem como função, antes de qualquer coisa, fiscalizar, apontar os desmandos e as falcatruas dos donos do poder. E isso a Carta Maior se recusa a fazer quando se trata do ''deus'' Lula. Discutir ética? Para quê? Se todos os escândalos de corrupção são peças de ficção criadas pela ''imprensa conservadora''?
Nesses casos, a grande ficção é, de um lado, eclipsar os avanços do governo Lula e, de outro, esconder os desvios éticos e a maneira nada republicana como o país vem sendo governado.
Em síntese: sejamos menos apaixonados. Fazer (bom) jornalismo é praticar a arte do equilibrista.